Lexicógrafo, crítico literário, ensaísta, poeta, colunista
político, moralista, o britânico Samuel Johnson (1709-1784) foi um exemplo
superior do homem de letras moral. Isto é, dedicou-se a «ler, escrever e
conversar na sua devida proporção», elevando-se, ainda que contra (fraco) pagamento,
à máxima independência e aos máximos talento e profissionalismo. A guiá-lo,
apenas os clássicos princípios humanistas.
Sobre As
Viagens de Gulliver, opinou: «Se pensarmos em homens grandes e em homens
pequenos, não é difícil imaginar o resto.» Pouco depois, parodiava a
degenerescência do parlamento britânico e criticava o imperialismo a partir do
relato da suposta viagem de um neto do capitão Gulliver até Lilipute. Com erudição
e imaginação eloquentes, Johnson demonstrou que «a crítica é uma forma de
estudo em que os homens se tornam importantes e formidáveis com pouca despesa».
A frase lê-se na capa de Páginas
Escolhidas, a pequena antologia que a Quetzal agora lhe dedica. Samuel Johnson ainda é um bom modelo para os cronistas e polemistas.
O legado mais aclamado de Samuel Johnson é um
monumental dicionário da língua inglesa (cheio de humor e referências
literárias), uma edição de Shakespeare (onde lamenta o hermetismo da linguagem
do dramaturgo) e quatro volumes sobre Vidas
dos mais eminentes poetas ingleses. A memória da sua personalidade invulgar
(sofria de síndrome de Tourette e era, digamos, um personagem) sobreviveu à leitura (hoje rara) da obra e deriva de
A Vida de Johnson, a famosa biografia
de James Boswell. Todavia, acedemos ainda ao seu melhor nas páginas de ensaio: morais
mas nem por isso paternalistas ou puritanas, antes cheias de argúcia e
elegância, entretenimento e instrução.
Harold Bloom aponta Johnson como o «crítico
canónico», autor de inigualável «literatura de sabedoria». De facto, as suas lições
tratam da vida como ele a vê através da experiência e dos homens como ele
desejava que fossem. Nele, as teorizações têm uma composição dramática e lêem-se
como narrativas. Quer escreva sobre as cartilhas do jornalista ou do crítico,
abutres, virtude e epitáfios ou contra a prisão dos devedores/desempregados,
Samuel Johnson expõe a sua opinião com a grande modéstia de quem se reconhece um
mero ensaiador de visões do mundo.
Páginas Escolhidas, Samuel
Johnson, Quetzal, 160 págs, 14.40 euros
LER 07/02/2014
© Filipa Melo (interdita reprodução integral sem autorização prévia)