Outono de 1952, Afeganistão. Na aldeia isolada de Shadbagh, Saboor conta ao filho Abdullah (dez anos e meio) e à filha Pari (três anos e meio) a história de um dev (demónio) que obrigou um pobre homem a entregar-lhe o filho mais novo e lhe roubou a memória. No dia seguinte, partem os três pela montanha em direcção a Cabul, onde Pari é vendida a um casal rico. Na aldeia, ninguém mais falará deste «dedo cortado para salvar a mão», mas Pari persiste no coração de Abdullah «como a poeira que se lhe colava à camisa». Mais de seis décadas e quase 400 páginas depois, os dois irmãos irão reencontrar-se. E as Montanhas Ecoaram é o terceiro romance do ex-médico internista afegão Khaled Hosseini (n. 1965), autor dos best sellers O Menino de Cabul e Mil Sóis Resplandecentes; 50 milhões de livros vendidos em 70 países e 57 línguas.
No topo das tabelas de venda e em algumas destronando Inferno de Dan Brown, E as Montanhas Ecoaram prova que a arte de contar histórias unida a uma qualidade literária superior também cria fenómenos comerciais. A raiz deste sucesso é a aura mítica evocada em cada narrativa através dos saltos no tempo, das mudanças de registo da enunciação e da intensidade emocional com que Hosseini desenha, entrelaça e multiplica os retratos de uma dúzia de personagens.
O escritor diz admirar As Vinhas da Ira de Steinbeck e, na verdade, os seus painéis narrativos devem muito ao tema do deslocado. «Como um comboio em movimento», a rede de histórias de vida em E as Montanhas Ecoaram abre-nos janelas inesperadas sobre o passado e o presente do Afeganistão, a relação do país com o exterior e a saga épica daqueles que o trocam pelo Ocidente ou que, mais tarde, pretendem resgatá-lo (Timur e Idris, vindos da Califórnia). Personagens como Adel (filho de um comandante terrorista), Markos (cirurgião plástico), Nila Wahdati (mãe adoptiva de Pari), Parwana (segunda mulher de Saboor, irmã gémea de Massoma), o seu irmão Nabi (cozinheiro e motorista em Cabul) ou Pari (filha de Abdullah, herdeira do nome e da memória da irmã perdida) são construções delicadas que revelam o interior do mundo afegão: «as esperanças e mágoas e sonhos que jaziam disfarçados por pele e osso».
E as Montanhas Ecoaram, Khaled Hosseini, Editorial Presença, 392 págs.
SOL/19-07-2013
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