Pó enamorado: E as Montanhas Ecoaram, Khaled Hosseini

Khaled Hosseini retratou o amor filial   e o Afeganistão  e arrasou as tabelas. Outono de 1952, Afeganistão. Na aldeia isolada de Shadbagh, ...

terça-feira, maio 07, 2013

Rubem Fonseca | Crime, disse ele


 

Rubem Fonseca reinventou o cenário social e político do suicídio de Getúlio Vargas.

Rubem Fonseca (n. 1925), um dos maiores escritores brasileiros contemporâneos e com certeza o melhor contista (a par de Dalton Trevisan), celebra 50 anos de carreira (estreou-se com o livro de contos Os prisioneiros). Nada melhor do que entrar na sua obra ou revisitá-la, lendo o conto Feliz Ano Novo (de 1975; disponível online) e o romance Agosto (de 1990), recém-reeditado pela Sextante. O primeiro, relata o assalto de três jovens da favela a uma mansão carioca durante o réveillon, foi proibido pela censura e é exemplo máximo de um retrato brutalista e amoral da violência na grande metrópole, desse realismo feroz e sujo do contista que influenciou toda a corrente de prosa urbana brasileira. Agosto é, por seu turno, um enredo policial com fundo autobiográfico (Fonseca foi comissário, nas ruas ou como relações públicas, da polícia no Rio, entre 1952 e 1953) e base histórica: o contexto que, de 1 a 24 Agosto de 1954, conduziu o presidente Getúlio Vargas, «um  velho insone, pensativo, alquebrado», ao suicídio, com um tiro no coração. 

No romance, Rubem Fonseca troca o enfoque directo e rasgado pela exploração mais fina das motivações individuais e colectivas. Nos 26 capítulos de Agosto, sucedem-se pequenos episódios e um cruzamento e gestão invulgares dos enredos policial e histórico. Há cadáveres vários (um industrial, um major, um capanga, um porteiro, um polícia ou um bicheiro) e um xadrez complexo de relações amorosas, sexuais, políticas, criminosas e históricas entre várias personagens. Há o drama político real de um presidente, «vítima das aleivosias torpes dos inimigos, dos julgamentos ambíguos dos amigos», e o drama fictício de um comissário de polícia, «um doido criador de casos», incorruptível defensor da obediência cega à lei. À margem, há um pai e um filho que confessam a autoria do mesmo homicídio.
Rubem Fonseca, tal como o comissário Alberto Mattos, mostra-se mais getulista do que lacerdista (apoiante do jornalista Carlos Lacerda, principal opositor de Getúlio) e descreve quase com nostalgia um mundo que se extingue. Com a sua úlcera no duodeno, dividido entre uma ex-namorada e a actual (ex-prostituta), amante de ópera, avis rara entre os colegas, em luta com a progressiva desordem do mundo à sua volta, Mattos é, como Getúlio, um solitário, desfazado e condenado ao fracasso. No seu romance mais complexo, Rubem Fonseca utiliza em fundo uma espécie de realismo existencialista que põe a nu a base histórica, social e psicológica a partir da qual, entre os anos 50 e os 90, a violência e a podridão ética foram comendo por dentro o Rio Cidade Maravilhosa

Agosto, Rubem Fonseca, Sextante Editora, 320 págs., 16.60 euros 
SOL/ 12-04-2013
© Filipa Melo (interdita reprodução integral sem autorização prévia)