A culpa é de Shakespeare, porque arruinou a lenda pejorativa orquestrada pelos historiadores de Octaviano/Augusto contra o casal que ameaçou a Pax Romana no século I a.C.. Assim, Marco António, o líder militar malignamente ambicioso, e Cleópatra, rainha sanguinária capaz da sedução sexual mais chã, transformaram-se no mais imortal casal de amantes-suicidas. Mas, afinal, onde está a verdade histórica?
Após
Generais Romanos: Os Homens que Construíram
o Império Romano e César: A Vida de
um Colosso (Esfera dos Livros), o historiador classicista inglês Adrian
Goldsworthy (n. 1969) quis contar a história deste casal «tão objetiva e imparcialmente quanto possível, pois ela já contém paixão
suficiente sem que o autor precise de acrescentar muitos dos seus próprios
comentários». António e Cleópatra
(Esfera dos Livros) saiu em 2010, a par de Cleópatra
(Civilização), um retrato da última rainha do Egito muito completo, mas muito
efabulado, que valeu o Pulitzer à biógrafa Stacy Schiff.
Talvez
só pela leitura destas duas perspetivas se atinja a conjugação de mito e história
exigida pela força enigmática das personagens, pelas lacunas das fontes e pelas
evidências arqueológicas. Mas, se conhecer o romance entre o casal permanece
tarefa quixotesca, Goldsworthy prova que é possível entendermos a sua aliança e
derrota num contexto político e ideológico amplo e bem fundamentado. «Cleópatra não foi de facto assim tão
importante», mas foi sem dúvida «um
animal político» e Marco António não foi «um general particularmente brilhante», teve «mais insucessos do que êxitos», mas deve ser retirado da sombra
de Cleópatra, porque simboliza bem as lutas intersticiais no fim da República e
início do Império em Roma. Quando se uniram, António e Cleópatra estavam ambos
enfraquecidos. Em 500 páginas, percebemos como e porquê, numa história que é
mais política e militar, mas que ainda assim não dispensa um toque de paixão.
António
e Cleópatra, Adrian
Goldsworthy, Esfera
dos Livros, 521
págs., 25 euros
SOL/ 04-01-2013
© Filipa Melo (interdita reprodução integral sem autorização prévia)
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