É o
décimo sétimo dos 38 títulos da Obra
Completa de Vergílio Ferreira (1916-1996) a que a Quetzal se propôs. Datado
de 1992, ano da atribuição do Prémio Camões, Pensar regressa às livrarias esta semana. Distingue-se dos nove volumes
de Conta-Corrente porque se assume
como outra espécie de caderno de anotações diarísticas. Trata-se de uma compilação
do «esparso e desordenado e
acidental do “fragmento”», de textos «do acaso de ir pensando». Vergílio
Ferreira sempre escolheu com propriedade os seus títulos e este caso não foge à
regra. Pensar é um livro que é um ato
e a sua expressão. O autor pensa e pensa-se, como apontou a escritora Fernanda
Botelho, com «alguma intelectual», mas «magnífica arrogância»: a dos aforismos
e das máximas éticas, estéticas, existencialistas. Daí que este retrato do pensamento
de um homem com 76 anos seja propício, por parte do leitor, ao sublinhado, à
citação, à anuência ou à embirração. Contudo, a sua essência é, sempre, a
responsabilidade e a suposta incerteza de quem escreve.
«A
crença forte é do jovem como o cepticismo é do velho», afirma o escritor. Já no
prefácio, «Do Impensável», salientara que só atingimos um «equilíbrio interior»
se relacionarmos a nossa liberdade com o «incognoscível de nós». O que não
pensamos ou discutimos a priori está
na base do pensar, do sentir e «do que os infinitos possíveis em nós
possibilitaram». Nestes 676 pequenos textos regista-se, pois, o questionamento profundo
de um homem para lá e nos seus limites, medindo-se pelo impossível e
respondendo a uma «negatividade voraz». Vergílio Ferreira escreve «ao apelo
incerto do que nos faz sinais», sobre tudo (Deus, religião, política, arte,
amor, Natureza, escrita, literatura, Europa, sentimentos, ambições, sensações...).
Filosofa o presente, reavalia o passado. Pairando sobre tudo, a aproximação/preparação
para o fim: «Morte, podes vir. Não faças cerimónia. Mas sê educada e não me
maces muito.» O que fica de Vergílio Ferreira é tanto ou mais do que ele foi.
Pensar, Vergílio Ferreira, Quetzal, 312 págs., 17.70 euros
SOL/ 01-03-2013
© Filipa Melo (interdita reprodução integral sem autorização prévia)