Em
2012, Michel Onfray (n. 1959) teve destaque em todos os meios de comunicação e
círculos de discussão intelectual franceses e tornou-se um filósofo best seller. Afrontara um dos pilares da
cultura ocidental e, por isso, aclamaram-no como destruidor de dogmas ou
criticaram-no e vilipendiaram-no a ponto de o conotarem com Hitler. Em causa, o
ensaio Le Crépuscule d’une Idole,
recém-lançado por cá, com o título Anti-Freud,
baseado em ampla pesquisa e veemente argumentação. As conclusões de Onfray, na sua maioria apoiadas por citações
do próprio Freud, pretendem ser cabais: a Psicanálise é, não uma descoberta, mas
sim uma invenção, sustentada pela ambição doentia e pelos quase maquiavélicos poderes
de efabulação, autopromoção e manipulação do seu criador. Sigmund Freud
(1856-1939) foi um arcaísta, anti-existencialista, ganancioso, mitómano, misógino,
insensível à pobreza e aos seus próprios pacientes. Sim, ele introduziu a
intimidade e revalorizou o poder da palavra no pensamento ocidental, mas
extrapolou os seus fantasmas pessoais para o mundo inteiro. A sua ciência não passa de uma fraude, da
ordem do xamanismo e da alucinação colectiva, alheia a qualquer princípio científico.
Onfray,
filho de trabalhadores pobres, educado numa escola-orfanato católica, encontra
na leitura de Nietzsche a fuga para uma adolescência triste e violenta.
Professor de Filosofia, graças a ensaios como Tratado da Ateologia, A Política
do Rebelde ou Teoria do Corpo
Amoroso, ganha fama como filósofo iconoclasta e polémico, ateu militante, hedonista
materialista e provocador. Em 2002, cria a Universidade Popular de Caen, onde põe
em marcha formas não convencionais e solidárias de ensino e prática da
filosofia. Os seus ciclos de conferências atraem milhares. Decide ministrar um
deles sobre Freud, autor que estudara no período formativo e ensinara durante
anos. Entretanto, lê a obra coletiva e polémica Le Livre Noir de la Psychanalise, lançada em 2005. Decide ler na íntegra
os textos de Freud, a correspondência, as biografias e os ensaios das correntes
histórica e revisionista. Fica aterrado com o que descobre e, mais uma vez, na
esteira de Nietzsche, decide «filosofar
com o martelo». Anti-Freud,
agradável de ler, bem argumentado, é o livro de um boxeur. Dificilmente o olhar
sobre a génese da Psicanálise – alerta: que deve ser destrinçada da evolução
das práticas clínicas – voltará a ser o mesmo.
Anti-Freud, Michel Onfray, Objectiva, 645 págs., 29 euros
SOL / 22-02-2013
© Filipa Melo (interdita reprodução integral sem autorização prévia)