Como
inscrever um passado trágico num monumento que deixe espaço para a recuperação
do futuro? A questão foi muito discutida durante a seleção dos projetos
arquitectónicos para o berlinense Memorial do Holocausto (2005, Peter Eisenman)
ou para o nova-iorquino Memorial 9/11 (2011, Michael Arad). No romance A Submissão, Claire Burwell,
representante das famílias das vítimas no júri para a escolha do monumento a ser
erigido no Ground Zero, afirma: «Antes
de endurecer e parecer que nunca tinha sido de outra forma, a História era líquida,
fluida.» É a consciência e a gestão minuciosa dessa fluidez que cimenta as
maiores virtudes desta obra de estreia da jornalista Amy Waldman (ex-repórter
do New York Times), editada em 2011
e aclamada como o melhor romance sobre o 11 de Setembro escrito até à data.
O
cenário amplo em discussão política de A
Submissão parte da controvérsia desencadeada pela vitória do projeto de um
arquiteto muçulmano-americano, Mohammad Khan, de 37 anos, no concurso anónimo
para o memorial. Entendido por uns como uma nova ameaça do mundo islâmico sobre
a América, por outros como uma forma de reparação e conciliação, o jardim com árvores
de aço de Khan transforma-se numa metáfora para avaliar o choque entre a
islamofobia pós-11 de Setembro e os valores fundadores da democracia americana.
Khan, tratado como «semideus ou semiaberração», convictamente secular e irredutível
em não justificar a sua proposta, acaba por submeter-se («muçulmano» significa «aquele
que se submete») ao peso da responsabilidade individual no curso coletivo de um
processo de luto. Atenta a cada figura que põe em cena e às suas motivações,
mas com mão treinada de jornalista para compor os movimentos de um painel
social credível, Amy Waldman dá vida a psicologias múltiplas enquanto retrata
toda a complexidade de um momento histórico. A Submissão transforma-se, assim, num romance-monumento, com uma
sensibilidade cortante e de leitura compulsiva.
A Submissão, Amy Waldman, Teorema, 416 págs., 16 euros
SOL/ 07-09-2012
© Filipa Melo (interdita reprodução integral sem autorização prévia)