Lutar por uma causa em que não se acredita e por um
país ao qual não se é leal. Na Primeira Guerra, 1,4 milhões de soldados checos lutaram
pelo Império Austro-Hungaro, desmembrado no final. Cerca de 150 mil morreram. Pode
dizer-se que os motores do seus destinos foram o absurdo e tragédia. E é também
esta conjugação dramática que subjaz a um dos maiores manifestos pacifistas de
sempre: «Os Destinos do Bom
Soldado Švejk
durante a Guerra Mundial».
Comédia negra incompleta, foi escrita em fascículos, estilo livre, privilégio
para o coloquial e múltiplos registos linguísticos, pelo checo Jaroslav Hašek
(1883-1923, de ataque cardíaco) a partir das suas próprias vivências neste
contexto histórico. A versão integral (quatro
das seis partes previstas) é por fim editada por cá, pela Tinta da China,
na coleção de humor dirigida por Ricardo Araújo Pereira, com tradução do
checosloportuguês Lumir Nahodil e ilustrações de Josef Lada, grande
amigo do autor.
Anarquista,
boémio, vagabundo, alcoólatra, Hašek escolheu a sátira burlesca para afirmar o
quanto a independência dos checos se deveu ao assassinato do arquiduque
Francisco Ferdinando, em Sarajevo, em 1914. Por isso, é nesse dia, numa
cervejaria de Praga, que Švejk
(diz-se «xveic»), vendedor de cães
roubados, inicia a longa verborreia de comentários despropositados e de anedotas
e episódios rocambolescos com que impele a ação deste romance pícaro. Sempre
ambíguo, Švejk irá sendo penalizado ou apoiado pelas várias autoridades que vão
ditando a sua odisseia em direção à frente de combate. Ele é o soldado ingénuo,
azarado e incompetente, «sempre cheio de
boas intenções», para quem «por fim
tudo corre sempre da pior maneira». Mas ele é, também, o cínico insolente
que, sob uma «máscara de hipocrisia»,
esconde as ideias mais subversivas. Supremo anti-herói, trágico como as
personagens de Kafka ou cómico como espécie de Zé Povinho checo, Švejk
representa a inteligência do absurdo como um caminho para a verdade.
O Bom Soldado Švejk, Jaroslav Hašek, Tinta da China, 879 págs, 32 euros
SOL/ 25-01-2013
© Filipa Melo (interdita reprodução integral sem autorização prévia)