Pó enamorado: E as Montanhas Ecoaram, Khaled Hosseini

Khaled Hosseini retratou o amor filial   e o Afeganistão  e arrasou as tabelas. Outono de 1952, Afeganistão. Na aldeia isolada de Shadbagh, ...

quarta-feira, fevereiro 06, 2013

Luís Cardoso | à volta da ilha


Luís Cardoso, nascido em Timor-Leste, onde existe enorme variedade etnolinguística, escreve em português por causa de... uma carcaça. A história é tão curiosa como a escolha que o autor fez de uma sandália para narrar o seu quinto romance, O ano em que Pigafetta completou a circum-navegação. Luís fez a escola primária numa pequena ilha com uma única padaria, gerida por um desterrado político português. Como os pais tinham pouco dinheiro e ele era colega do filho do padeiro, sempre que havia redações, escrevia-as em duas versões: uma, em tétum, a língua corrente, e outra, em português, para o miúdo, que, em troca, lhe dava uma carcaça barrada com manteiga.
Radicado em Portugal desde 1974, Luís Cardoso é a voz literária da autenticidade de uma cultura híbrida, durante 500 anos impregnada pela influência portuguesa, mas onde resistiu a riqueza de expressões e crenças locais e ancestrais. A «circum-navegação [do autor] pela memória viva da ilha e de si» iniciou-se nos quatros romances anteriores e completa-se no novo livro, um caso sério de imaginação de um contador de histórias na melhor tradição timorense e de realismo mágico. Narrado durante a ocupação indonésia pela sandália do pé esquerdo de Carolina, filha de um integracionista, o romance segue Catarina, a «nona de Batávia», protagonista de Requiem para o navegador solitário (2007), e o seu filho perdido, Raio de Luz. A ação extravasa o tempo e o espaço de Manumera, através dos relatos, lembranças e segredos da família de Carolina. Pigafetta é um sacristão homossexual, albino e de língua cortada, amante de Sakunar, colaborador dos indonésios que vive com a tia Isadora, a bailarina de Bidau. Pigafetta acredita descender do cronista italiano homónimo, companheiro de Fernão de Magalhães na primeira viagem de circum-navegação, em 1519. Aqui, «as pessoas são de presságios e de espíritos», e o livro é, ele próprio, um universo caleidoscópico, com percursos curvilíneos, onde «a crueza é bela e é verdade».

O Ano em que Pigafetta Completou a Circum-navegação, Luís Cardoso, Sextante, 256 págs., 15.50 euros

SOL/ 18-01-2013
© Filipa Melo (interdita reprodução integral sem autorização prévia)