Pensar o cérebro
Mostram-lhe uma escova de dentes, uns óculos de sol, um garfo, um saleiro ou uma vela. Invariavelmente, ele responde: “É um termómetro, serve para medir a temperatura.” Aos 73 anos, o corpulento e triste Sr. Mathieu Z., ex-desenhador técnico, sofreu um acidente vascular cerebral (AVC) e perdeu a capacidade de reconhecer os objectos que, no entanto, consegue utilizar no seu dia-a-dia. O que se terá quebrado no interior do seu cérebro?
Em 2004, apresentando este caso clínico como numa espécie de investigação policial, o neurologista francês Laurent Cohen escreveu O Homem-Termómetro. O livro, agora editado na colecção “Mente Aberta” da Gradiva, é um guia de divulgação acessível para perceber o cérebro em peças soltas.
Aqui não se trata dos avanços da neurobiologia do comportamento humano, em que se tornaram famosas as obras de António e Hanna Damásio, nem das sínteses contemporâneas para o funcionamento global do cérebro. O que interessou Laurent Cohen e poderá interessar os leitores é a apresentação parcelar de elementos que fazem do cérebro uma orquestra genial. Sem o brilho das obras de Oliver Sacks (O Homem Que Confundiu a Mulher com um Chapéu, Despertares ou Perna Para Que te Quero, editados pela Relógio D’Água), mas com a virtude de possuir uma estrutura fluida e didáctica, O Homem-Termómetro propõe uma viagem através da história da neuropsicologia.
O assunto é cada vez mais premente. Com o aumento da esperança média de vida, cresce também o número de vítimas de lesões cerebrais. Tal como no caso autobiográfico descrito pelo escritor José Cardoso Pires em De Profundis, Valsa Lenta, muitos são aqueles que perdem total ou parcialmente a capacidade de interpretar os sinais visuais e da linguagem. Foi a partir da análise destas lesões e patologias que a neuropsicologia avançou na revelação das estruturas mentais. E é seguindo o diagnóstico do Sr. Z., e expondo casos similares, que Laurent Cohen nos narra esse percurso.
Embora apresente “um quebra-cabeças inacabado”, o livro deixa um alerta: é preciso que as vítimas de AVC ou traumatismo craniano sejam entregues com a maior rapidez a equipas médicas. Porque, se hoje é ainda impossível substituir regiões cerebrais destruídas, muito se faz já para contornar as sequelas. A par da biotecnologia e da genética, o estudo do cérebro é um dos campos mais promissores da actual investigação científica.
O Homem-Termómetro, Laurent Cohen, Gradiva, 208 págs.
SOL/ 07-10-2006
© Filipa Melo (interdita reprodução integral sem autorização prévia)