O que fica do que foi (editado em Portugal nos últimos 25 anos)
Alexandra
Alpha, José Cardoso Pires, Dom Quixote, 1987
Até
ao Fim, Vergílio Ferreira, Bertrand, 1987
O
Medo, Al Berto, Contexto, 1991
Último
Volume, Miguel Esteves Cardoso, Assírio & Alvim, 1991
História
de Portugal, José Mattoso (dir.), 1993-95, Círculo de Leitores
Amar
um Cão, Maria Gabriela Llansol, Colares Editora, 1990
O
Erro de Descartes: emoção, razão e cérebro humano, António Damásio, Europa-América,
1995
Ensaio
sobre a Cegueira, José Saramago, Caminho, 1995
Tratado
da Evidência, Fernando Gil, IN-CM, 1996
A
Situação Social em Portugal, António Barreto (org.), ICS-UL, 1996-2000
Manual dos Inquisidores, António Lobo Antunes, Dom Quixote, 1996
Poesias
Completas, Alexandre O’Neill, Assírio & Alvim, 2000
Pode
um Desejo Imenso, Frederico Lourenço, Cotovia, 2002
A
Ronda da Noite, Agustina Bessa-Luís, Guimarães, 2006
As
Saias de Elvira e Outros Ensaios, Eduardo Lourenço, 2006
Século
Passado, Jorge Silva Melo, Cotovia, 2007
Uma
Grande Razão – Os poemas maiores (antologia), Mário Cesariny, Assírio & Alvim,
2007
Combateremos
a Sombra, Lídia Jorge, Dom Quixote, 2007
“O
Nosso Século É Fascista!”, Manuel Loff, Campo das Letras, 2008
Ofício
Cantante - Poesia Completa, Herberto Helder, Assírio & Alvim, 2009 620 pp.
Dicionário
do Judaísmo Português, VVAA., Editorial Presença, 2009
Adoecer,
Hélia Correia, Relógio D’Água, 2010
Uma
Viagem à Índia, Gonçalo M. Tavares, Caminho, 2010
Peregrinação
de Enmanuel Jhesus, Pedro Rosa Mendes, Dom Quixote, 2010
Obra
Poética, Sophia de Mello Breyner Andresen, Caminho, 2010
Primeiro,
um desvio ao parâmetro temporal desta seleção dos 25 melhores livros de autores
portugueses publicados entre 1987 e 2011. Por seis anos, falha a entrada na
lista um dos maiores romances portugueses do século XX, senão o maior: Sinais de Fogo, de Jorge de Sena, editado
em 1979. Imperdoável, seria não o referir. E porque poucas vezes ele é
apontado, também, como a abordagem mais frontal e artisticamente conseguida do
tema da sexualidade (e da homossexualidade) na ficção portuguesa, acrescento-lhe
outra, também marcante, a de Frederico Lourenço, em Pode um Desejo Imenso, de 2002. Ainda no romance, oito outros destaques,
por ordem cronológica. De 1987, Alexandra
Alpha, onde, com a sua jocosidade certeira e hipercrítica, José Cardoso
Pires ajusta contas com a intelligentsia
portuguesa (neste caso, a burguesia intelectual lisboeta dos anos 60 e 70),
como nenhum outro o fez depois dele. Do mesmo ano, Até ao Fim, monólogo de um pai no velório do filho, expressão máxima
do existencialismo ateu, humanista, de Vergílio Ferreira. De 1990, Amar um Cão, uma boa porta de entrada no
universo de originalidade radical de Maria Gabriela Llansol, sobre o qual Eduardo
Lourenço vaticinou: será «o próximo grande mito literário da literatura
portuguesa».
Salto
até 1995 e Ensaio Sobre a Cegueira, súmula
da força estilística (e ideológica) da ficção de José Saramago. Em 1996, António
Lobo Antunes publica Manual dos
Inquisidores, retrato cru do Portugal pós-25 de Abril, romance maior numa
obra polifónica e experimental que
depois se tornou cada vez mais um desafio para iniciados. De Agustina Bessa-Luís,
escolho Ronda da Noite, de 2002, o
derradeiro romance, em homenagem à obra toda, com a qual tive durante muito
tempo uma relação difícil. Foi no ensaio dedicado a Santo António (de 1979) e
no interesse da autora pela mística que, por fim, julguei entender a fonte da
grandeza da sua escrita. Agustina escreve em comunicação com uma verdade
estranha, possui uma sabedoria quase paranormal, e, lidos como visões, e não como
acumulações de aforismos morais ou filosóficos, os seus livros adquirem uma
verdadeira dimensão visionária. Combateremos
a Sombra (2007), de Lídia Jorge, centrado na personagem do psicanalista
Osvaldo Campos, é, por sua vez, um romance corajoso e apuradíssimo, prenúncio das
cegueiras que vão corrompendo
Portugal no novo milénio. Lídia Jorge prossegue um labor literário que, tal
como o da maioria dos autores portugueses verdadeiramente grandes, merecia mais
acompanhamento e análise por parte da crítica e discussão pública. Como obra master de Hélia Correia e da iluminação da sua escrita, anote-se Adoecer (2010), um «encontro pessoal» da
escritora com Elizabeth Siddal, Dante Gabriel Rossetti, os pré-rafaelitas e o século
XIX inglês. Ainda em 2010, dão-se outros encontros, fulgurantes: entre os dois
melhores ficcionistas da geração nascida pouco antes do 25 de Abril e os dois
expoentes máximos da literatura portuguesa das viagens ultramarinas. Em Uma Viagem à Índia, Gonçalo M. Tavares evoca
Os Lusíadas (e Ulisses, de Joyce), para firmar uma epopeia intelectual até uma Índia
psicológica, território da solidão desolada do homem contemporâneo. Em Peregrinação de Enmanuel Jhesus,
Pedro Rosa Mendes evoca Peregrinação,
de Fernão Mendes Pinto, para tornar física, real, uma epopeia de confronto com
o passado no presente.
Na
poesia, destaco, por afinidade eletiva, as antologias da obra de Al Berto,
Alexandre O’Neill, Mário Cesariny (para quando a edição integral?), Herberto
Helder e Sophia de Mello Breyner Andresen. Na crónica, Miguel Esteves Cardoso, pela
imprevisibilidade do estilo e pelo retrato paródico do modo de ser português, e
Jorge Silva Melo, em Século Passado,
que é autobiografia, divagação, sobretudo registo de um crítico, encenador e
intelectual de exceção.
Na
Filosofia, saliento a investigação «epistémica» de Fernando Gil sobre a
possibilidade da evidência. Na área da História, destaque absoluto para os
oitos volumes da História de Portugal,
com colaborações dos melhores historiadores portugueses. Nota especial também
para Dicionário do Judaísmo Português,
no qual, sob coordenação de Lúcia Mucznik, José Alberto Tavim, Esther Mucznik e Elvira de Azevedo
Mea, mais de 60 especialistas reuniram, pela primeira vez, o conhecimento sobre
a presença judaica, desde o séc. V, no território hoje português e sobre a diáspora
dos judeus de origem portuguesa no mundo. Destaco ainda “O Nosso Século É Fascista!”, de Manuel
Loff, escolha pessoal, pelo que me deu a descobrir sobre as relações entre
Salazar e Franco e as suas visões do mundo entre 1936 e 1945.
E,
porque rever 25 anos de edição por autores portugueses é como arrumar a casa,
uma útil arrumação do estado da nação dificilmente poderá passar ao lado do
diagnóstico d’ A Situação Social em
Portugal entre 1960 e 2000, feito por vários investigadores, sob organização
de António Barreto. Deixo para o fim, mas para os destacar como primeiros entre
os primeiros, Eduardo Lourenço e António Damásio, figuras máximas da cultura e
da ciência portuguesas nos últimos 25 anos.
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