Pó enamorado: E as Montanhas Ecoaram, Khaled Hosseini

Khaled Hosseini retratou o amor filial   e o Afeganistão  e arrasou as tabelas. Outono de 1952, Afeganistão. Na aldeia isolada de Shadbagh, ...

segunda-feira, fevereiro 25, 2013

António Mega Ferreira | O espírito de Casanova

Após o senhor Quita, cabeleireiro reputado, também poeta e membro da Arcádia Lusitana, lhe arranjar o cabelo, «abîmé pela viagem», Giacomo Casanova (1725-1798) visita o centro da cidade acompanhado pelo comerciante Jácome Ratton, seu anfitrião nesta estadia em Lisboa, dois anos após o Terramoto de 1755. Diante das ruínas da Casa da Ópera, reduzida a «uma espécie de fantasmagoria macabra, com as suas paredes descarnadas e os camarotes queimados erguendo-se a céu aberto, como que à espera de acolher um espetáculo sumptuoso que jamais voltaria a repetir-se», Casanova comove-se com a extensão da catástrofe, que acredita ter sido capricho da natureza, mais do que manifestação divina. «Nunca a transitoriedade da glória e dos feitos da espécie me pareceu tão evidente como diante deste cenário de horror», confessa o aventureiro italiano ao irmão, Francesco Casanova, numa de seis cartas da sua autoria datadas dessa altura e que compõem a nova ficção do escritor, gestor e jornalista António Mega Ferreira.

 
Cartas de Casanova, escrito em apenas três meses e meio, é um romance epistolar talentoso. Nele se conjugam um conhecimento histórico e erudito do protagonista (Histoire de ma vie, a autobiografia de Casanova, foi base de inspiração e consulta), da cidade e da época (um hiato naquelas memórias), um domínio raro da língua (a inclusão de expressões francesas ou italianas adiciona, sem peso, cor e circunstância ao texto) e do género epistolar (brilhante o recurso às notas do tradutor-autor, espécie de rubrica-guião paralelo) e, por fim, ou sobretudo, uma muito imaginativa gestão global da narrativa. Como num divertimento musical, Mega Ferreira apresenta-nos o herói em trânsito (acaba de escapar da prisão dei Piombi, em Veneza) e um conjunto circunscrito, mas muito representativo, de personagens (sobretudo históricas), para compor uma anotação original à margem de dois dos mais marcantes momentos e figuras do século XVIII. Ao jeito da época, prova, ele mesmo, como escritor, avoir de l’esprit jusqu’au bout des ongles.

Cartas de Casanova, António Mega Ferreira, Sextante Editora, 208 págs., 16.60 euros

SOL / 15-02-2013
© Filipa Melo (interdita reprodução integral sem autorização prévia)