Pó enamorado: E as Montanhas Ecoaram, Khaled Hosseini

Khaled Hosseini retratou o amor filial   e o Afeganistão  e arrasou as tabelas. Outono de 1952, Afeganistão. Na aldeia isolada de Shadbagh, ...

terça-feira, fevereiro 01, 2011

Zadie Smith | Entrevista


 
Em 2000, quando Zadie Smith se estreou, com «Dentes Brancos», o jornal inglês «The Guardian» titulou: «Ela é jovem, negra, inglesa e a primeira sensação editorial do milénio.» Três anos antes, 80 páginas de texto do romance tinham sido suficientes para um astronómico avanço de direitos de 250 mil libras. Nelas, Zadie revelava já um talento especial para captar a fluidez social contemporânea. A partir de episódios épicos da vida doméstica familiar, as suas personagens reflectiam os mais variados choques étnicos, políticos e estéticos. Humor, «non-sense» e ataque aos estereótipos e à farsa da conquista de estatuto social continuariam a ser as suas marcas distintivas em «O Homem dos Autógrafos» (2002) e «Uma Questão de Beleza» (2005, todos editados pela Dom Quixote). Entretanto, Zadie, ela mesma, tornou-se um «fenómeno». De vendas, de prémios e de um certo pós-pós-colonialismo.
Filha de um fotógrafo inglês e de uma imigrante de origem jamaicana (terapeuta e assistente social), Zadie (antes, Sadie) cresceu num subúrbio do norte de Londres e estudou Literatura Inglesa na Universidade de Cambridge. Hoje, aos 32 anos, diz que só conseguiu ser escritora porque teve «uma enorme força de vontade». Fala de si mesma tal como nascem as suas personagens: de forma provocatória e anti-sentimentalista, com ironia e realismo. Detesta frases-feitas ou pré-conceitos. Garante que já esgotou nos seus livros «uma certa ideia de liberdade e de classes sociais» que recebeu de E.M. Forster. Agora lê autores como o «divertido» Arnon Grunberg ou o «demoníaco» Dennis Cooper. E escreve não-ficção enquanto se define o que  será um novo romance, «mais próximo do experimentalismo».

Como lida com a máquina de publicidade criada à sua volta?
Talvez essa ideia da máquina de publicidade seja exagerada... Há já alguns anos que faço isto apenas dois dias por ano; é uma pequeníssima parte da minha vida. Tenho muita, muita sorte, porque já posso dizer que não. Só respondo aos pedidos dos pequenos editores de pequenos países onde compreendo que precisem disto para fazer vender os meus livros.



O sucesso de «Dentes Brancos», aos 25 anos de idade, não pôs em risco a sua capacidade de auto-crítica?
Não creio que «Dentes Brancos» seja muito bom, por isso nunca corri esse perigo. Desde que o escrevi, houve muitas mudanças na minha vida. Ganhei muito dinheiro – antes era muito pobre –, as pessoas mudaram à minha volta, mas com o tempo habituámo-nos todos a isso.



Como protege o seu talento de todo o ruído à volta?
Recuso quase tudo: entrevistas, artigos, idas à televisão, viagens, campanhas de publicidade para marcas, etc. Limito-me a ficar no meu quarto o máximo de tempo possível. O que me interessa são os livros, não são as entrevistas que os autores dão ao «Le Monde»... Aliás, não se conhece nenhum autor a partir de uma entrevista, a não ser que dure dias e dias. Se querem mesmo saber o que sinto, têm de me deixar dar as entrevistas por email. Uma vez tive de entrevistar o rapper Eminem. Mal entrei na sala, senti-me terrível e só queria deixá-lo em paz.



Que ambições tem como autora?
A minha imagem pública não tem mesmo nada a ver com a minha vida interior, íntima. Alguns autores famosos encenam, dramatizam uma personagem criada para si mesmos. Acho que o fazem como consolo para o facto de não conseguirem escrever livros bons. Eu só quero escrever bons livros.


Segue uma tradição humanista, realista do século XIX...
Sim, mas agora tudo pode acontecer e isso é que é estimulante. Há autores muito convictos de que o caminho deles é este ou aquele; eu não tenho qualquer ideia definida do que deve ser a minha escrita. Vou para qualquer lado...


Nos seus romances, as coisas e as pessoas nunca são o que esperávamos. Como dá essa elasticidade às personagens?
São simplesmente ridículos os autores que fazem notas extensas para a construção das personagens. Porque, de facto, as personagens surgem à medida que se escreve, e nunca antes. Eu não construo personagens, construo frases, e esse processo é subconsciente. 

Qual é a responsabilidade social de um escritor?
Todos temos responsabilidades enquanto seres humanos, não creio que os escritores tenham qualquer tipo de responsabilidade particular... Os escritores devem apenas escrever sobre a verdade, sobre o modo como a vêem, o que só por si já é extremamente difícil.


Trocou Inglaterra por Itália há um ano e meio. O que mudou?
O objectivo principal era aprender italiano. Mas viver em Itália tem sido uma das melhores coisas que já me aconteceram. Tenho sido muito feliz nos últimos anos. Extraordinariamente feliz. Desde pequena que queria... Andei em escolas péssimas, numa tive oportunidade de, como agora, ser uma europeia e falar mais de uma língua. Agora sinto-me mesmo como parte deste espaço, desta paisagem que é a Comunidade Europeia.



O tema central de «Uma Questão de Beleza» é a pertença a uma família...
Estou sempre a escrever sobre a família. É um tema extraordinário, este de como as pessoas vivem numa casa com outras, com quem não escolheram viver... A família resume e condensa tudo, resume a vida. Há uma deixa excelente sobre isto n’«O Padrinho»: quando pensamos que conseguimos escapar, eles puxam-nos de novo lá para dentro... É na família que a minha imaginação está, e sempre esteve.



As suas personagens estão sempre em movimento, mais do que em processos de mudanças ou choques radicais.
Quando estive a dar aulas em Harvard, uma aluna disse-me, furiosa, que achava que as minhas personagens eram só truques... Para ela, o facto de os meus livros estarem cheios de personagens de diferentes cores de pele não passava de um truque... Tentei explicar-lhe que, para mim, elas são apenas diferentes como as pessoas são diferentes na vida real. Mas ela insistiu, e eu tive de lhe perguntar: «E se fossem todas brancas, já não estranharias, já seria ficção neutra?».
Se eu tivesse nascido inglesa e branca, se escrevesse por exemplo «Sara desce a rua», saberia que o leitor estava a imaginar Sara apenas como um ser humano igual a ele, a descer a rua. Mas eu, quando crio uma personagem, sei que o leitor pensa de imediato: hmmm... a personagem X, negra. Eu sei que tenho de estar sempre a correr contra isso.

É por tentar apresentar as suas personagens apenas como personagens que a acusam de «despolitizar» as questões raciais?
Para mim isso é tão absurdo... Eu sempre tive que me esforçar para ficar ao nível dos outros. Sempre tive de me pôr em bicos dos pés. Até o agradeço, porque essa afinal acaba por ser uma posição criativa.



Os romances são de algum modo retratos do autor?
Sim, mas não de uma forma óbvia. Sabe, eu tive uma educação estranha... Cambridge e tudo isso foi fantástico. Mas até aí foi uma confusão, cheia de buracos. Quando era mais nova, estava sempre a tentar tapá-los. Hoje já não me importo, limito-me a tentar preenchê-los, e não tento enganar ninguém a fazer-me passar por mais inteligente do que sou. Na verdade, eu só quero escrever cada vez melhor.

SOL/ 17-05-2008
© Filipa Melo (interdita reprodução integral sem autorização prévia)