Em resposta a novas pressões e deveres sociais e morais, cada vez mais, as mulheres rejeitam os contraceptivos, querem ter bebés e tê-los com dor e apertá-los de imediato «pele com pele», ficar em casa e na cama com eles e amamentá-los durante pelo menos seis meses, usar fraldas de pano, congelar a carreira profissional e serem... mães perfeitas. As novas concepções de maternidade defendidas por uma onda natalista, ecologista, naturalista e «reaccionária» estão a dar cabo de décadas de emancipação da mulher e luta pela igualdade dos sexos, grita Elisabeth Badinter, 66 anos, mãe de três filhos. O mais recente manifesto da mais eminente filósofa feminista francesa intitula-se Conflito: a Mulher e a Mãe (Relógio D'Água). Lançado em França em Fevereiro de 2010, foi best seller e motivou um intenso debate público. Trinta anos após o primeiro ensaio (O Amor Incerto: história do amor maternal, sécs. XVIII-XX), Madame Badinter, hoje acusada de feminismo arcaico, ainda faz mossa.
Nos anos 90, faliu o sonho da partilha equitativa, com os homens, no mundo do trabalho, da família e da casa. As mulheres carregam o maior peso, «a injustiça doméstica subsiste». Pior, devido à crise económica e ao desemprego, pressiona-as um discurso culpabilizador que, exaltando os instintos biológicos e naturais, as impele de volta a casa e aos papéis tradicionais, «em nome do bem-estar da criança» e do «império do bebé». Entre as francesas, as mulheres mais fecundas da Europa, há «uma nova negociação entre a mulher e a mãe», no limite, entre o «individualismo hedonista» e o «naturalismo». Elisabeth Badinter descreve o quadro, fundamenta-o com teses, números e casos, para insistir numa convicção-conquista: «Quer se queira quer não, a maternidade é apenas um aspecto importante da identidade feminina e já não o factor necessário à aquisição do sentimento de plenitude do eu feminino.»
Em 2008, a secretária de Estado para a Ecologia francesa tentou fazer aprovar-se uma nova taxa para as fraldas descartáveis. No mesmo ano, os biberãos foram banidos das creches parisienses e começou a guerra ao leite em pó (vitórias da La Leche League International). Entretanto, as teorias do bonding sobrepuseram-se à aceitaçção de um «período inicial de indiferença» entre mãe e filho. Badinter desespera. Até as novas teorias feministas recolocam a feminilidade na essência e a maternidade no centro da afirmação da mulher. As necessidades naturais do filho devem prevalecer, soberanas. A mulher deve regressar a casa e a uma «maternidade armadilhada». As que não o fazem, serão «más mães». Está tudo contra o grito dos 70: «Primeiro eu!»
Badinter não aponta soluções nem é catastrofista. Insiste apenas em que as mulheres devem lutar por serem elas a optar, e fazê-lo em plena consciência. Conflito: a Mulher e a Mãe é contra a imposição e a interiorização excessiva de um «modelo maternal ideal mais exigente do que nunca». E dá que pensar.
LER/ Janeiro 2011
© Filipa Melo (interdita reprodução integral sem autorização prévia)