Durante 60 anos, a norte-americana Martha Gellhorn (1908-1998) foi «um tipo especial de exploradora da guerra». Pioneira entre as mulheres repórteres e os correspondentes de guerra, não lhe interessavam os furos jornalísticos, mas esteve lá, em todos os conflitos importantes entre a Guerra Civil de Espanha, em 1937, e a invasão americana no Panamá, em 1990. Quis ser «os olhos da consciência das pessoas», mas rapidamente admitiu que lhe estava antes reservado o papel de Cassandra. Por fim, concluiu: «A guerra é uma horrível repetição.»
«A Face da Guerra» reúne uma selecção das reportagens mais importantes de Martha Gellhorn. É um testemunho vibrante sobre as funções do jornalismo. Mas é sobretudo um valioso repositório das mais dolorosas memórias do cruento século XX. Memórias do clima de cada época, centradas no dia-a-dia do homem comum, descrito com detalhe e uma extrema honestidade. O enredo é sempre o mesmo; «a acção baseia-se na fome, nos sem-abrigo, no medo, na dor e na morte». Nem por isso deixa de ser único o retrato de cada homem que Gellhorn encontrou sujeito à febre da guerra, provocada pelo vírus dos «interesses vitais do Estado».
Martha nunca acreditou nessa «treta da objectividade dos jornalistas», atributo apenas de quem tenha «o cérebro morto e um coração de pedra». Sempre se declarou parcial a favor dos que sofrem. Nascida na alta sociedade do Missouri, filha de um prestigiado ginecologista e de uma sufragista amiga de Eleanor Roosevelt, foi educada com a mesma liberdade dada aos seus dois irmãos. Aos 21 anos, quando chegou a Paris com o sonho de ser escritora, tornou-se pacifista, depois claramente anti-fascista. Numa carta a uma amiga, explicou o que se seguiu: «Eu, vou para Espanha com os rapazes. Não sei quem são os rapazes, mas vou com eles.»
Loira, belíssima, talentosa e com uma coragem extrema, não é de estranhar que Ernest Hemingway tenha sido apenas uma das suas muitas conquistas amorosas (estiveram casados entre 1940 e 1945). Até aos 89 anos, quando, cancerosa e quase cega, se suicidou com uma cápsula de veneno, Gellhorn viveu uma dedicação total ao ofício de repórter. Provou-o na Madrid sitiada, no desembarque na Normandia, na libertação de Dachau, no Vietname, na Guerra dos Seis Dias ou na América Latina. A guerra, dizia, era onde devia estar.
A Face da Guerra, Martha Gellhorn, Publicações Dom Quixote, 461 págs.
SOL/ 30-06-2007
© Filipa Melo (interdita reprodução integral sem autorização prévia)