Pó enamorado: E as Montanhas Ecoaram, Khaled Hosseini

Khaled Hosseini retratou o amor filial   e o Afeganistão  e arrasou as tabelas. Outono de 1952, Afeganistão. Na aldeia isolada de Shadbagh, ...

sábado, janeiro 22, 2011

Carmen Laforet | Tremendo nada

«A verdade é que era tudo tão assustador que ultrapassava a minha capacidade de tragédia.» Andrea chegara à casa da avó, na rua de Aribau, há menos de um ano. Chegara de noite, carregando uma mala muita pesada e expectativas de adolescente da província que vinha estudar Letras na cidade grande. Primeiro, as ruas haviam-lhe parecido luminosas e belas, como as recordava de uma estadia durante a infância. Mas, aos poucos, a esperança começara a ser estranha à sua imaginação, e Barcelona tornara-se uma cidade adormecida, com «candeeiros como sentinelas bêbadas de solidão». Na suja e degradada casa da família, a fome e a loucura instalaram-se como um tumor que progride, «grunhindo como um animal velho». Na Universidade e no círculo de amigos, o tédio pequeno-burguês e os constrangimentos morais e sociais asfixiam os sonhos.
Escrito aos 23 anos da autora, a barcelonesa Carmen Laforet (1921-2004), logo que foi lançado, em 1944, «Nada» esgotou várias edições e conquistou o exigente Prémio Nadal. Hoje, é enquadrado no realismo europeu da década de 40 e na estética tremendista do romance espanhol da mesma época: a de enredos duros e sufocantes, nos quais a descrição muito pormenorizada, distorcidamente crua, dos ambientes e situações salienta a marginalidade ou a incapacidade de acção, o terror existencialista das personagens, marcadas pela opressão e por destinos nefastos. Retrato singular do pós-guerra e dos primeiros anos do franquismo, «Nada» sai agora pela Cavalo de Ferro, numa cuidada tradução de Sofia Castro Henriques e Virgílio Tenreiro Viseu.
Na introdução, o escritor Mario Vargas Llosa descreve «uma prosa entre exaltada e glacial, onde o que se cala é mais importante do que aquilo que se diz e que mantém o leitor submerso numa angústia indescritível, do princípio ao fim». Aos 23 anos, Carmen Laforet atingiu um surpreendente nível de excelência narrativa, ao centrá-la no olhar único da narradora Andrea, no seu «coração aterrado» e na sua angustiada perplexidade perante o exterior. Com notáveis descrições, onde cruza poesia e descrição cirúrgica, trata da desilusão do idealismo adolescente perante o mundo adulto. Andrea, a ingénua clarividente, com a mesma beleza com que o trágico tio Román tocava piano, «sabia apanhar os soluços e comprimi-los numa beleza tão espessa como o ouro antigo».

Nada, Carmen Laforet, Cavalo de Ferro, 265 págs.

SOL/ 16-08-2008
© Filipa Melo (interdita reprodução integral sem autorização prévia)