Pó enamorado: E as Montanhas Ecoaram, Khaled Hosseini

Khaled Hosseini retratou o amor filial   e o Afeganistão  e arrasou as tabelas. Outono de 1952, Afeganistão. Na aldeia isolada de Shadbagh, ...

quinta-feira, dezembro 02, 2010

Susan Sontag - Um Livro Por Dia


Ego e escrita

Renascer: Diários e Apontamentos 1947-1963 reúne as notas diarísticas de Susan Sontag (1933-2004) entre os 14 e os 30 anos. David Rieff, o filho da eminente escritora, pensadora e activista política norte-americana, decidiu editá-lo e torná-lo público em 2008, como primeiro de uma selecção de três volumes e «súmula da essência da mãe, a partir da infância». Neste registo ensimesmado, sobressai a tenacidade de uma busca voraz de erudição e estatuto intelectual na qual «a arte é vista como uma questão de vida e morte, a ironia é tida como um vício, não uma virtude, e a seriedade é o bem maior» (Rieff).
Aos 15 anos, Susan Sontag, nova-iorquina de ascendência judia criada no Arizona e em Los Angeles, está prestes a entrar para a Universidade da Califórnia. Comenta, após a leitura do diário do escritor francês: «Gide e eu alcançámos uma perfeita comunicação intelectual, de tal maneira que sinto as dores de parto apropriadas para cada pensamento que ele dá à luz! Por isso, não penso: "Que lucidez maravilhosa!" - mas sim: "Pára! Não consigo pensar tão depressa! Ou, melhor dizendo, não consigo crescer tão depressa!» A adolescente pratica já uma judiciosa auto-análise e é feroz na ambição por uma personalidade intelectual. Elabora metas e listas intermináveis de livros a ler, anota conceitos a aprofundar, palavras e expressões a fixar, citações e leituras precocíssimas, comentários e convicções de invejável profundidade. Até às primeiras experiências (homo)sexuais, aos 16 anos, quando escreve: «Tudo começa a partir de agora - Renasci», a sua vida é sobretudo mental. Sê-lo-à impetuosamente até ao fim, apesar de todas as experiências físicas e afectivas.
Renascer não é nunca uma leitura divertida. Há nestas páginas uma seriedade e uma integridade tão sinceras que podem provocar no leitor uma tensão constrangedora. Egotista, Sontag procura uma «aristocracia da sensibilidade [e do] intelecto». É explícita, até obsessiva, no registo do que vive, pensa e sente. Dos anos de formação em Berkeley e de imersão na subcultura gay de São Francisco, do casamento precoce ao nascimento do filho, ao divórcio e à estadia em Oxford, da época boémia e formativa em Paris até à integração na elite intelectual de Nova Iorque. Sontag cria-se a si mesma, e confidencia: «Porque é a escrita importante? Principalmente por egoísmo, suponho. […] Os bons escritores são egoístas vibrantes, até ao ponto da fatuidade.» Adivinhava-se já este retrato, mas não o contraponto: a revelação das mais importantes vivências amorosas e sexuais. Sontag, que sempre recusou falar sobre a vida privada, surge despida, dificilmente simpatética, mas coerente e interessante até nas contradições, fragilidades e obstinações.

Susan Sontag, Renascer: Diários e Apontamentos 1947-1963. Tradução de Nuno Guerreiro Josué, Quetzal, 357 págs.

LER/ Outubro 2010
© Filipa Melo (interdita reprodução integral sem autorização prévia)