Felicidade, a lição da história
Logo no prefácio, o autor, Darrin McMahon, justifica a dificuldade da tarefa a que se propôs com uma citação de Hegel: a felicidade inscreve-se nas «páginas em branco da história». A este espaço historiográfico vazio, McMahon, professor na Florida State University, respondeu corajosamente com mais de 500 páginas de uma espécie de jogo da glória erudito através das lições do tempo. Objectivo final: circunscrever a felicidade, esse sentimento abstracto e tão indefinível, às concepções e estratégias engendradas pelo homem para a alcançar na herança e na tradição ocidentais. O ensaio chama-se História da Felicidade, saiu pelas Edições 70 e, em 2006, foi incluído pelo New York Times numa lista de 100 livros notáveis.
A exemplo do economista suíço Richard S. Frey (Felicidade: Uma Revolução na Economia, Gradiva, 2009) e da sustentação das teses da Economia do Bem-Estar, McMahon considera urgente a investigação histórica daquele que acredita ser «o nosso credo moderno»: «Temos direito à felicidade.» Estudar a felicidade, diz, é matéria para abordagem multidisciplinar (social, cultural, textual ou, até mesmo, emocional), mas a sua opção recaiu sobre uma «forma bastante tradicional de história intelectual». Mais do que os factos, interessam-lhe as ideias e a sua contextualização. Por isso, História da Felicidade resulta como uma aventura de reflexão, em aberto e cheia de derivações estimulantes. Centrado nas experiências clássica e judeo-cristã (abordadas desde o herói trágico e das doutrinas de fé até ao iluminismo, ao liberalismo, a Nietzsche, Marx ou Freud), o ensaio desenvolve-se em duas partes («A Construção de uma Fé Moderna» e «Espalhando a Palavra»), para oito capítulos e grande profusão de notas.
Subjacente a todos os raciocínios do autor, está a procura de validade para a humana «busca eterna» de felicidade. São incontáveis os exemplos dados, desde a felicidade tida por Sócrates como objectivo da vida virtuosa até à forma como o marketing moderno a explora como obsessão generalizada (veja-se o 'smiley', referido como actual «símbolo de aspiração cultural»). Pelo meio, muitas páginas voltadas, o leitor percebe que a análise da história da felicidade pode ser, acima de tudo, uma experiência de relativização. Se a abordarmos deste modo, ela terá, com toda a certeza, um final feliz.
História da Felicidade, Darrin McMahon, Edições 70, 549 págs.
SOL/ 24-12-2009
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