Alternativa: Ficção
Na escuridão da noite, August Brill, 72 anos, vítima recente de um acidente de viação, enfrenta as insónias contando histórias a si mesmo. Num desses sonhos que o ex-crítico literário imagina de olhos abertos, o ataque às Torres Gémeas não existiu e a América está em guerra civil há quatro anos, com um saldo de treze milhões de mortos. Para a salvar, Owen Brick, mágico profissional, 30 anos, alistado compulsivamente como cabo do exército dos Estados Unidos contra os Federais, é encarregado de assassinar, no «mundo real», o escritor que concebeu todo este enredo delirante. Homem na Escuridão, décimo sexto romance de Paul Auster apresenta-se como mais uma narrativa improvável, uma metaficção com contornos fantásticos e de périplo existencial. Porque, como o autor norte-americano defendeu uma vez (em entrevista à revista «Lire», Abril 1994): «Se [os romances] fossem credíveis, por que é que haveríamos de os ler?»
Muito longe da complexidade, da excelência e do alcance de Mr. Vertigo (1994, Asa), obra-prima sobre o mito americano, Homem na Escuridão é a resposta de Auster à obsessão literária em que se tornou o 11 de Setembro. Escritor de personagens, que apanha em queda, e de cenários parcos, próximo da mecânica dos enredos cinematográficos, Auster desiludiu a crítica com o último, e ruminante, Viagens no Scriptorium. Agora, poderiam reabilitá-lo do umbiguismo a invenção de August Brill e a condescendência terna com que trata em paralelo as confissões biográficas e a relação com a neta Katya («Dois pobres tristes, tu e eu...») e com o namorado desta, Titus Small (jovem mártir americano da guerra no Iraque).
Mas, é evidente: Auster, apoiante de Obama, quer alertar para uma guerra civil de ideias a decorrer hoje na América. Para isso, inventa uma guerra civil fictícia (no terreno e nos afectos de Brick pela esposa e pela ex-colega de escola Virginia) e concentra-a no delírio apocalíptico de um idoso que resiste a desacreditar o poder das histórias. O resultado, apesar da inegável inteligência de Auster, é um enredo preguiçoso e pretensioso. A alternativa crítica à realidade política e à História pode ser uma das maiores potencialidades da ficção, mas não se basta a si mesma sem a aplicação técnica do escritor.
Homem na Escuridão, Paul Auster
SOL/29-11-2008
© Filipa Melo (interdita reprodução integral sem autorização prévia)