Pó enamorado: E as Montanhas Ecoaram, Khaled Hosseini

Khaled Hosseini retratou o amor filial   e o Afeganistão  e arrasou as tabelas. Outono de 1952, Afeganistão. Na aldeia isolada de Shadbagh, ...

quinta-feira, janeiro 31, 2013

Lydia Davis | A vida do instante


Diz-se que a vida passa num instante. Se assim é, Lydia Davis (n. 1947, Massachusetts), consegue condensá-la toda em menos de dez páginas ou até mesmo em apenas duas linhas (como em Insónia: «O meu corpo dói-me tanto. Deve ser esta cama pesada a comprimir-me para cima.»). Os duzentos contos reunidos na antologia Contos Completos, primeiro publicada nos EUA em 2009 e recém-editada pela Relógio D’Água (tradução de Miguel Serras Pereira e Manuel Resende), reúnem vinte e seis anos de trabalho em torno da arte do instante feito pequena ou micro narrativa, muitas vezes semelhante a um epigrama, uma fábula ou um poema ensaístico ou aforístico. Reputada tradutora de textos franceses (Proust, Flaubert ou Blanchot), ex-mulher do escritor Paul Auster, Lydia Davis possui apenas um romance publicado, uma pérola de metaficção (quase sem diálogos, as personagens não têm nome e praticamente não existe contextualização espacial) chamada The End of the Story (1995), onde um escritor narra o final de um seu antigo caso de amor. E é também quando escreve contos sobre a vida conjugal, com um sarcasmo feroz, que Davis atinge o seu melhor, colocando-se, com Mary Gaitskill ou George Saunders, entre os mais distintos contistas americanos da atualidade.
Muitas vezes narradas por uma mulher, por vezes glosas evidentes, noutras evocando grandes figuras (como Marie Curie ou Foucault) ou um gesto quotidiano (levar o cão a passear ou reduzir os gastos, por exemplo), todas com um toque de humor mais ou menos negro, as narrativas de Davis têm a precisão de um raio laser. Sem complacências, autora e personagens expõem mundos internos e externos em cenários de papel iluminados por uma lucidez excecional. Nestas páginas, com uma brevidade e uma acutilância típicas do espírito americano, aprende-se a vida não como ela é, mas como ela muitas vezes se apresenta, em retrato photomaton, fugaz, mas muito preciso na sua indefinição.

Contos Completos, Lydia Davis, Relógio D’Água, 632 págs., 25 euros

SOL, 26-10-2012
© Filipa Melo (interdita reprodução integral sem autorização prévia)