Em diálogo, o químico Primo Levi e o físico Tullio Regge fundem ciência e biografia.
Em 1984, o químico e escritor Primo Levi e o físico Tullio Regge encontram-se na casa deste último, em Turim, para gravar três conversas sobre a ciência e o mundo. Regge tem 53 anos, Levi tem 65 e falecerá três anos depois, em 1987, no que ainda se questiona ter sido um suicídio ou um acidente. O pequeno volume Diálogo sobre a Ciência e os Homens reproduz o essencial do encontro informal entre os dois, uma homenagem póstuma de Regge ao mais famoso sobrevivente-testemunha de Auschwitz, também um homem de ciência possuidor de «uma curiosidade omnívora sobre tudo».
Na introdução, datada de 1989, Regge esclarece que, ao longo da conversa, foram privilegiados os seus assuntos prediletos porque ele mesmo se conteve em questionar Levi sobre Auschwitz. A certa altura, Levi estendeu o braço e ficou visível o número tatuado no pulso. Esse foi um dos poucos momentos em que, brevemente, foi referida a experiência como prisioneiro. Mas Regge revela a surpresa com que leu o livro de memórias O Sistema Periódico (Gradiva), de 1975, no qual Levi associa várias personagens-personalidades reais (entre elas, um químico nazi alemão, chefe de um campo de concentração) a elementos químicos específicos. E é, de facto, no testemunho de uma fusão entre a realidade da ciência, da vida e da ficção que consiste também o interesse deste livro.
Empolgado, Primo Levi diz que «pôr alguma coisa no seu devido lugar» é a aventura mental comum ao poeta e ao cientista. Conta como, em criança, assistia ao crescimento dos cristais numa lamela como se visse um filme. Explica que é do contacto com «uma química “baixa”, quase culinária» que lhe vêm a «precisão e concisão» na escrita, «uma vasta coleção de metáforas» e uma grande paciência. Aos 65 anos, desenha no computador e diverte-se como uma criança. Tullio Regge assegura que, «se pudesse reencarnar, escolheria ser músico». Dois homens conversam sobre a importância do hebraico ou do latim, as origens familiares, o ensino da ciência e a rebeldia da vocação científica, o encontro com grandes génios, a teoria do campo unificado, os limites entre ciência, ficção científica e metafísica ou o futuro do homem no espaço. Levi e Regge em diálogo mostram como a ciência contaminou toda a sua biografia.
Diálogo sobre a Ciência e os Homens, Primo Levi e Tullio Regge, Gradiva, 106 págs.
SOL/ 17-02-2012
© Filipa Melo (interdita reprodução integral sem autorização prévia)