Pó enamorado: E as Montanhas Ecoaram, Khaled Hosseini

Khaled Hosseini retratou o amor filial   e o Afeganistão  e arrasou as tabelas. Outono de 1952, Afeganistão. Na aldeia isolada de Shadbagh, ...

terça-feira, janeiro 10, 2012

V. S. Naipaul | Sangue e mato


V. S. Naipaul ainda lidera os grandes intérpretes da turbulência do Terceiro Mundo.

Onze anos após a primeira publicação pela Dom Quixote, a tradução de José Vieira Lima para A Curva do Rio, uma das obras emblemáticas de V. S. Naipaul, regressa às livrarias, agora pela Quetzal, que inicia a edição da obra completa do autor. Pode ser um romance de um certo olhar estrangeiro sobre a realidade da África pós-colonial a experimentar a independência, e até um olhar muito criticado por chefes de fila como Chinua Achebe ou Nadine Gordimer. Contudo, Naipaul, Nobel da Literatura em 2001, é não só uma voz moral na denúncia das sequelas da opressão no Terceiro Mundo, mas sobretudo um finíssimo artesão em língua inglesa de paisagens sociais com a delicadeza de uma renda de bilros. A Curva do Rio, de 1979, tem o alento de um clássico e, como notou John Updike, resulta da destreza literária e das reflexões humanistas de  «um espírito tolstoiano».
Vidiadhar Surajprasad Naipaul nasceu em 1932 em Trinidad, nas Caraíbas, descendente de indianos, mas estudou em Oxford, como bolseiro, a partir dos 17 anos. Sempre recusou a autovitimização e cedo brandiu com ferocidade uma bandeira: os povos oprimidos são os responsáveis pelo seu futuro e pela escrita do seu passado. Ou como descreve Salim, protagonista de A Curva do Rio, descendente de muçulmanos (abastados e de origem indiana) da costa leste, ao se instalar como comerciante numa cidade num país sem nome, no interior, na verdadeira África: «Nunca escrevemos a nossa história. […] Se foi a Europa que nos deu alguma ideia da nossa história, foi também a Europa, creio, que nos ensinou a mentir. […] Nós continuávamos a viver como sempre tínhamos vivido: cegamente.» Nesta sua «longa jornada para abraçar a vida» e o amor, cerca de seis anos na curva do rio, Salim assistirá, e nós com ele como observadores alienígenas, à devolução a si mesmo de um mato simbólico manchado de sangue que sonha com a paz e uma identidade própria para, depois, cair no caos e na corrupção e expelir golfadas de raiva à mistura com estrangeiros como ele (que seguem para uma Europa «egoísta, mesquinha, ameaçadora»). Em 2012, a Quetzal reeditará Uma Casa para Mr. Biswas, de 1961, e lançará o mais recente (e trigésimo) livro de Naipaul: o ensaio The Masque of Africa: Glimpses of African Believe, de 2010.

A Curva do Rio, V. S. Naipaul, Quetzal, 416 págs.
Sol/ 04-11-2011


© Filipa Melo (interdita reprodução integral sem autorização prévia)