Pó enamorado: E as Montanhas Ecoaram, Khaled Hosseini

Khaled Hosseini retratou o amor filial   e o Afeganistão  e arrasou as tabelas. Outono de 1952, Afeganistão. Na aldeia isolada de Shadbagh, ...

sábado, dezembro 17, 2011

Éric Faye | A vida num armário




Durante cerca de um ano, uma mulher vive clandestina no topo de um armário da casa de um celibatário. A notícia, publicada em vários jornais japoneses em 2008, atraiu Éric Faye (n. 1963), jornalista da agência de notícias Reuters e escritor, que decidiu transformá-la num pequeno romance. Nagasáqui venceu o Grande Prémio de Romance da Academia Francesa em 2010 (por nove votos, contra seis para Naissance d’un Pont, de Maylis de Kérangal). Narra a «investigação mais minuciosa alguma vez conduzida por uma desconhecida sobre um desconhecido» e a inesperada ligação entre duas solidões-limite que vivem contíguas e se tocam, sem jamais se encontrarem.
Nagasáqui talvez pretenda ser uma metáfora sobre os efeitos mais radicais da crise económica — «O Eu a todo o custo é o fim do homem. A Crise torna os homens um pouco mais sós. […] O nós morre.» — e sobre a cidade e a província homónimas: «Nagasáqui permanecera muito tempo como um armário no vasto apartamento do Japão […] e o império, ao longo de todos esses duzentos e cinquenta anos, fingira, por assim dizer, ignorar que um passageiro clandestino, a Europa, se instalara naquele guarda-fatos...» Todavia, enquanto falham redondamente estas pretensões mais rebuscadas do autor, o romance encontra a sua força na descrição concisa do encontro doméstico e muito original entre dois universos dramaticamente solitários.
Shimura Kobo tem 56 anos, é um metereologista deprimido e obsessivo, um «novelo de nervos enfeitiçados pelas cigarras». Quando começam a desaparecer-lhe iogurtes do frigorífico, instala uma câmara na cozinha e passa a vigiar à distância o «panorama glacial»  da sua solidão.  A forma de mulher que caça na ratoeira surge como uma projeção da vida a dois que ele poderia ter tido, mas num primeiro impulso, irreversível, Shimura decide denunciar a mulher, condenando-a à prisão. O acontecimento irá forçá-lo a abrir-se, da bolha em que se refugiara, para «o mar largo da vida».
No final, conhecemos a versão da clandestina, 58 anos, desempregada e sem-abrigo, instalada naquela casa por motivos tão práticos como comoventes. Mas Nagasáqui é um romance interessante sobretudo pelo que deixa por explicar, como acontece sempre com as histórias e acasos da vida cuja profundidade supera a própria ficção.

Nagasáqui, Éric Faye, Gradiva, 99 págs.

SOL/ 09-12-2011
© Filipa Melo (interdita reprodução integral sem autorização prévia)