Pó enamorado: E as Montanhas Ecoaram, Khaled Hosseini

Khaled Hosseini retratou o amor filial   e o Afeganistão  e arrasou as tabelas. Outono de 1952, Afeganistão. Na aldeia isolada de Shadbagh, ...

quinta-feira, maio 19, 2011

Bernard Quiriny | Comer palavras





Nos contos de Bernard Quiriny, plantas e histórias sobrenaturais podem morder.
Há literatura tão talentosamente bizarra que parece que nos morde. É o  caso destes Contos Carnívoros, do belga Bernard Quiriny (radicado em França), datados de 2008 e distinguidos com o Prix Rossel, prémio literário belga, equivalente, em prestígio, ao Goncourt francês. Quiriny tem hoje 33 anos, é crítico literário, professor de Filosofia e de Direito, e um desses raros autores que não trocam o conto pelo romance. Tal como disse uma vez, agrada-lhe sobretudo criar «paradoxos, jogos de lógica, voltas e reviravoltas, apartes e desvios» narrativos. Como uma espécie de respostas a «equações matemáticas retorcidas», as catorze histórias deste livro alimentam-se de enredos-raciocínios-mentais fruto de uma engenhosa inspiração.
Com posfácio pelo escritor Enrique Vila-Matas, Contos Carnívoros não deixará, de certeza, nenhum leitor indiferente. Como não estremecer logo no conto de arranque («Sanguínea»), perante a descrição de um acto de amor que envolve carne, casca de laranja, sangue, volúpia e morte, tudo depois sorvido do mesmo copo? Contá-los seria matá-los. Estes contos devem ser lidos como o faria a personagem que melhor os tutela, o extraordinário e impaciente «historiador do aborrecimento» Pierre Gould (a quem Vila-Matas presta homenagem, ou a um filho ou a um duplo seu, ou só ao génio de Quiriny): com pressa de saber a continuação, como num relógio às avessas, que apenas conta o tempo que resta. Confusos? Esperem até conhecerem um bispo com dois corpos e apenas uma alma, ocupada à vez, segundo a vontade do Senhor. Ou até apreenderem as virtudes superestéticas das marés negras ou seguirem o processo de contacto com a língua dos yapus, vinda do fundo da selva amazónica, truncada de sentido por absurdos e 'quiproquós', talvez derivada de «uma sociedade de poetas natos, que inventaram o surrealismo antecipadamente e fazem cadáveres esquisitos sempre que abrem a boca».
Alguns macabros, todos irónicos, Contos Carnívoros vêm engrossar o excelente catálogo da editora Ahab. Nestas pouco mais de duzentas páginas, há que seguir a divisa de Gould: «Já não acreditar senão nas lendas e desaprender a vida!» Para enfrentar as inversões ilógicas da vida, nada como admirar o talento e a inspiração dos mais bizarros absurdos lógicos.

Contos Carnívoros, Bernard Quiriny, Ahab Edições, 233 págs.


SOL/ 15-04-2011
© Filipa Melo (interdita reprodução integral sem autorização prévia)