Afinal, o Oeste não é só para os homens. Prova dos nove em livro e no cinema. A adaptação ao cinema, pelos irmãos Coen, nomeada para vários Óscares e vários British Academy, chega às salas de cinema portuguesas no próximo dia 17 (Fevereiro 2011). Enquanto isso, pode entrar no Velho Oeste pela ficção original de Charles Portis (n. 1933), True Grit: Indomável, datada de 1968 e recém-editada pela Presença. Melhor, entre já no Velho Oeste pela mão de Mattie Ross, uma miúda de 14 anos dos arredores de Dardanelle, Arkansas, sem medo do papão ou do escuro e capaz até de arrancar braços a cadáveres. Ela é a heróina de True Grit, expressão traduzível como «com garra» ou «que os tem no sítio».
Robert Warshow (1917-1955), crítico de cinema e grande estudioso da cultura popular norte-americana, descreveu como poucos a essência do ‘cowboy’. Figura de repouso (em contraste com o nervosismo do ‘gangster’), cuja melancolia lhe vem do reconhecimento de que a vida é tragicamente séria, o ‘cowboy’ seria «o último dos gentlemen», empenhado apenas na defesa pura da sua honra e, por isso mesmo, invulnerável e moralmente ambíguo. No Velho Oeste, os ‘cowboys’ são assassinos, mas têm uma sabedoria profunda e querem afirmar apenas aquilo que são. As mulheres? Na generalidade, são como as crianças. Ou, quando partilham do entendimento dos heróis, são prostitutas. Mattie Ross é a excepção à regra: uma criança com armas, capaz de matar homens.
Em meados do século XIX, Mattie chega a Fort Smith com uma pistola Colt num saco de açúcar e uma ânsia tenaz em vingar a morte do pai, ali assassinado por um empregado ocasional. Para a caça a Tom Chaney no Território Índio, a rapariga contrata o ‘marshal’ Rooster Cogburn, «velho zarolho» de 40 anos, bom contador de histórias, beberrão e indomável. Aos dois, juntar-se-á LaBoeuf, 30 anos, bem-parecido sargento dos rangers do Texas («dos que bebem mesmo de uma pegada de cavalo»). O curto e muito divertido e empolgante romance de Portis vive da relação entre estes três e dos seus encontros adversos no Oeste selvagem. A «catraia abelhuda» irá conquistar as suas esporas e, já velha, escreverá este relato. Fiel a uma única convicção, no mais viril espírito ‘cowboy’: «Se queremos que uma coisa seja feita como deve ser, temos sempre de nos encarregarmos pessoalmente do assunto.»
True Grit: Indomável, Charles Portis, Editorial Presença, 184 págs.
SOL/ 04-02-2011
© Filipa Melo (interdita reprodução integral sem autorização prévia)