Pó enamorado: E as Montanhas Ecoaram, Khaled Hosseini

Khaled Hosseini retratou o amor filial   e o Afeganistão  e arrasou as tabelas. Outono de 1952, Afeganistão. Na aldeia isolada de Shadbagh, ...

domingo, fevereiro 20, 2011

Almada em Pessoa


Já em 1916, o poeta-pintor Almada Negreiros escrevia que as suas obras «devem ser lidas pelo menos duas vezes prós muito inteligentes e d'aqui pra baixo é sempre a dobrar». A nota adapta-se bem a Invenção do Dia Claro, de 1921, brilhante poema em prosa agora em nova edição pela Guimarães/Babel, graças à inclusão que dele fez Fernando Pessoa (1888-1935) no plano editorial da Olisipo (1921-1923). Explique-se: A Invenção do Dia Claro foi o primeiro dos únicos quatro títulos que Pessoa conseguiu dar à estampa antes da falência desta sociedade, um dos seus raros lampejos como «empreendedor». Para venda exclusiva na Fnac, a Guimarães/Babel lança a colecção Pessoa Editor para editar alguns dos cerca de 50 títulos de literatura portuguesa e estrangeira que o poeta projectara para o catálogo Olisipo. A Invenção do Dia Claro é um dos pratos-fortes, lançada com a tradução parcial para o inglês feita por Pessoa e prefácio de Jerónimo Pizarro.
Pessoa saudou a sua «poliaptidão» e José Sobral de Almada Negreiros (São Tomé 1893-Lisboa 1970) multiplicou-se em tensões e expressões díspares no traço, na palavra e no gesto. Os dois, com Mário de Sá-Carneiro, marcam a genialidade vanguardista do primeiro grupo modernista português, o da Geração do Orpheu. Em Março de 1921, um ano após regressar de Paris e dois após a exposição homónima em Lisboa, Almada profere a conferência A Invenção do Dia Claro. Quer contar o que viu e sentiu, refundar o passado e o futuro. Menos provocativo que o Manifesto Anti-Dantas e o Ultimatum Futurista, A Invenção do Dia Claro revela a autenticidade individual de um criador que «tenta recuperar uma ingenuidade mítica, arcaica e infantil» (Óscar Lopes). Exercício lúdico e de estilo, espécie de gesticulação verbal a disparar múltiplas reflexões sobre filosofia e estética, o texto trata da viagem que o «menino»-«poeta» fez «desde o universo até ao meu peito quotidiano». Almada evoca a «Mãe» (que perdeu aos três anos de idade), exalta a ciência dos livros e o experimentalismo com as palavras e as imagens, anseia por um país que se ponha «à escuta do universo». Coloquial mas visionário, eis o manifesto-confidência de um artista à procura de «démarches» para (re)inventar a claridade.

A Invenção do Dia Claro, José de Almada Negreiros, Guimarães, 97 págs.

SOL/ 14-05-2010
© Filipa Melo (interdita reprodução integral sem autorização prévia)