Pó enamorado: E as Montanhas Ecoaram, Khaled Hosseini

Khaled Hosseini retratou o amor filial   e o Afeganistão  e arrasou as tabelas. Outono de 1952, Afeganistão. Na aldeia isolada de Shadbagh, ...

segunda-feira, janeiro 03, 2011

De volta - Um Livro Por Dia


As novas bruxas

Uma escritora croata recupera um mito eslavo e faz um hino à velhice feminina.

Há muitos séculos, os ricos faziam-se substituir por alguém na guerra santa ou no exército, a quem se dava o nome de «bedel». Em 2007, a escritora croata Dubravka Ugrešić foi o «bedel»  da mãe numa excursão da Nova Zagreb para os territórios de infância e adolescência desta velha senhora, em Varna, na Bulgária. A viagem impulsionou Baba Yaga Pôs um Ovo, romance também de 2007 e inserido no projecto Série Mitos, da fundação e editora escocesa Canongate (concebido em 1999 e publicado desde 2005). Em Portugal, é a Teorema que tem divulgado este excepcional conjunto de textos de grandes escritores contemporâneos elaborados a partir dos mais variados mitos antigos. Num certo sentido, todos os autores convidados (entre eles Margaret Atwood, David Grossman ou A. S. Byatt) têm funcionado como «bedel» de narrativas primitivas para a actualidade. Baba Yaga Pôs um Ovo concretiza-o de forma excepcionalmente inteligente, criativa e provocatória.
As primeiras duzentas páginas contam-nos a viagem de Dubravka à Bulgária e outra, a da estadia durante uma semana de três idosas, Beba, Pupa e Kukla, numas termas. Nas cem páginas seguintes, há «Baba Yaga para Principiantes», uma explicação ensaísta para a narrativa anterior, também ela embrulhada em ficção. A personagem mítica do folclore eslavo Baba Yaga é uma velha bruxa com uma casa feita de pés de galinha, especial apetência para aterrorizar crianças e... uma espada adormecida debaixo da cabeça. A missão de Dubravka é a de reabilitar as várias Baba Yagas hoje, tomando as suas personagens como símbolos de tantas outras mulheres invisíveis em todo o mundo, mulheres velhas e tidas por socialmente inférteis e, por isso, dissidentes excomungadas. Sê-lo-ão, porventura, mas Dubravka prova-nos que também são mestras da transformação e da sobrevivência, prontas a puxar a espada e avançarem para cobrar a conta «por cada bofetada, cada violação, cada afronta, cada ferida, cada gota de cuspo na sua cara». Baba Yaga Pôs um Ovo foi escrito num estilo riquíssimo (há que parar em dezenas de frases, saboreá-las, de tão ricas em estrutura, linguagem, conteúdo e sugestão), sob um sábio encantamento. Trata-se de um romance, mas também de um quase mágico manifesto feminista.

Baba Yaga Pôs um Ovo, Dubravka  Ugrešić, Editorial Teorema, 333 págs., 19 euros

SOL/ 17-12-2010
© Filipa Melo (interdita reprodução integral sem autorização prévia)