O lobo em nós
A informação surge quase no final do livro e ilumina-o como um todo. O autor, Mark Rowlands, norte-americano, professor universitário de Filosofia, confessa-se «um misantropo nato». A dificuldade de se relacionar com outros seres humanos levou-o a escudar-se numa relação de onze anos de amizade-irmandade com um lobo puro, Brenin, com o qual criou «uma matilha; uma nação a dois». O Filósofo e o Lobo, publicado pela prestigiada Granta em 2008 e recém-editado pela Lua de Papel, é o ensaio autobiográfico no qual Rowlands narra esta insólita história de lealdade, superior até mesmo «ao sentido de justiça para com os outros».
Autor de vários títulos sobre o estatuto moral dos animais e a teoria do contrato social, Rowlands define a Filosofia como algo «desumano» no seu abstraccionismo e na sua adoração pela lógica. Aos 26 anos, a adopção de um lobo, «o representante tradicional do lado negro da humanidade», como melhor e único amigo, tornou-se um símbolo do exílio do filósofo dentro de si mesmo. O que se passou a seguir foi uma aventura de dilemas práticos, um questionamento profundo da «natureza existencial de um animal selvagem» e da singularidade humana. O Filósofo e o Lobo, com o subtítulo «O Que a Selva nos Pode Ensinar sobre o Amor, a Morte e a Felicidade», é um relato comovente, tão fascinante (e mais sucinto e divertido) como os escritos da primatologista Jane Goodall.
É de um modo inadvertido que apreendemos os cruzamentos entre a filosofia clássica e os episódios de convívio entre Mark e Brenin. Aproximando-se de um lobo, o autor procurou «aquilo que não queremos saber sobre nós», o lado sombrio da nossa suposta superioridade animal. Brenin, perito em inesperado, acompanha-o para toda a parte (até nas aulas, onde uiva nas partes mais entediantes). Destrói-lhe a casa e prova que «os lobos não têm lugar no mundo civilizado», não porque são perigosos, mas porque são solitários, fortes e impassíveis. Rowlands ensina-nos que os lobos falam com o corpo e, sobretudo, que não sabem «conspirar e enganar» e são alheios à «maldade moral» e a qualquer análise de custo-benefício. Isso é o que os distingue da inteligência social; uma qualidade humana que, assim posta, não abona muito a nosso favor e nos faz desejar que, talvez um dia, possamos correr o risco de acordar um lobo em nós.
O Filósofo e o Lobo, Mark Rowlands, Lua de Papel, 230 págs.
SOL/ 23-10-2009
© Filipa Melo (interdita reprodução integral sem autorização prévia)