Num voo de Paris para Londres, dois desconhecidos, X e Y, apaixonam-se. Eis a «1ª cena do 1º acto do modelo narrativo mais clássico e mítico de todos – o romance de amor». Inevitável, o fatalismo romântico modela os actos seguintes, do enamoramento cego até à «suicidária» ruptura final. A história não podia ser mais banal, mas quando X é um narrador criado por Alain de Botton, o caso muda de figura.
O livro chama-se «Ensaios de Amor». Primeira obra publicada por Botton (em 1993), embora se trate de uma narrativa de ficção, apresenta já a técnica que o tornaria famoso com ensaios como «O Consolo da Filosofia» (2000), «A Arte de Viajar» (2002) ou «Status Ansiedade» (de 2004; deu origem à homónima série documental de televisão, recém-exibida pela RTP2). Reflectindo sobre aspectos específicos do dia-a-dia do homem contemporâneo, este filósofo francês radicado em Inglaterra conjuga meditações biográficas e ensaísticas com remissões para a obra de escritores e pensadores famosos e transmite-as num tom informal, mas com uma linguagem literariamente rica.
Não é de espantar que a «filosofia do quotidiano» praticada por Botton tenha conquistado milhares de fãs em todo o mundo. Entre o manual de auto-ajuda e o ensaio erudito, os seus livros pretendem sobretudo tornar mais agradável e conseguida a vida de cada leitor, quer o tema seja o amor, o prazer de ler, o estatuto social ou a arquitectura (como no recente «The Architecture of Happiness», de 2006). Nesta perspectiva, aos 39 anos, ele é um dos últimos prosadores optimistas.
Com humor e à-vontade, Botton aproxima o narrador de «Ensaios de Amor» de uma voz autobiográfica. Escreve: «O filósofo na cama é uma figura tão ridícula como o filósofo na discoteca. Em ambos os casos, o corpo é predominante e vulnerável, tornando-se a mente um instrumento de crítica silencioso e distante.» Será essa a mais valia deste sujeito X que racionaliza a sua relação amorosa com Chloe como se estivesse, em simultâneo, a observá-la de fora. A trama segue desde o estado marxista em que «o desejo [se] alimenta da impossibilidade de ver o amor retribuído» até ao terror da perda e ao «impossível» ressuscitar do coração. Pelo caminho, cruzamo-nos com a história, a matemática, a física ou a filosofia e, por muitas vezes, com um curioso espelho de nós mesmos.
Ensaios de Amor, Alain de Botton, Publicações Dom Quixote, 212 págs.
SOL/ 01-12-2007
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