Pós e Contras
Aos 57 anos, o esloveno Slavoj Žižek circula nos meios académicos internacionais como um agitador. Poliglota, desconcertante tanto no seu aspecto desleixado como na sua exímia capacidade de tocar e dinamitar várias áreas do conhecimento, alimenta um culto que o elege como o mais representativo intelectual pós-moderno, pós-ideológico e pós-revolucionário. Para muitos, ele é uma das garantias de regeneração do pensamento político de esquerda. Mas Žižek apenas é fiel ao pensamento do psicanalista francês Jacques Lacan, o que quer dizer que defende a heterogeneidade dos processos analíticos, aplicando-o até mesmo às suas fontes teóricas hegelianas e marxistas. Aos propósitos deste filósofo e psicanalista, investigador do Instituto de Sociologia na Universidade de Liubliana e apaixonado pelo cinema, aplica-se melhor a metáfora da cebola usada no filme Shrek do que aquela que Günter Grass chamou para titular a sua recente autobiografia. Provocando a queda das camadas que envolvem uma sociedade contemporânea cada vez mais virtualizada e digitalizada, Žižek revela dolorosos fantasmas e redefine a era do vazio. Desde Julho último, a Relógio D’Água permite a leitura, em português, de algumas das suas cerca de cinquenta obras traduzidas em todo o mundo. Sai agora para as bancas A Subjectividade por Vir.
Em Bem-vindo ao Deserto do Real (original de 2002) e Elogio da Intolerância (2004), Žižek ocupara-se das consequências políticas e humanitárias do 11 de Setembro e da necessidade de contestação de um pseudo multiculturalismo patrocinado pelo capitalismo global. A Subjectividade por Vir, com o subtítulo “Ensaios Críticos sobre a Voz Obscena”, reúne textos escritos entre 1998 e 2004 e expõe a marca dispersiva das ideias do autor.
Nada é fácil na leitura de Slavoj Žižek. E, no entanto, o único, e bastante, consolo que se retira da sua forma original de expor ideias políticas e filosóficas é o de nos sentirmos activos intelectualmente e mais esclarecidos quanto ao rumo que podemos dar a essa acção. Tal como defende, “o que nos incita a pensar é sempre um encontro traumático, violento, com um real exterior que se nos impõe brutalmente, pondo em causa as nossas maneiras habituais de pensar”. Žižek fá-lo, convocando referências do cinema, da literatura, da música, da publicidade ou da arte contemporânea. Incapacitados de aceder ao Real, resta-nos abordar o que é “objectivamente subjectivo” no teatro que é o mundo em que vivemos.
A Subjectividade por Vir, Slavoj Žižek, Relógio D’Água, 172 págs.
SOL/11-11-2006
© Filipa Melo (interdita reprodução integral sem autorização prévia)