Pó enamorado: E as Montanhas Ecoaram, Khaled Hosseini

Khaled Hosseini retratou o amor filial   e o Afeganistão  e arrasou as tabelas. Outono de 1952, Afeganistão. Na aldeia isolada de Shadbagh, ...

sexta-feira, novembro 19, 2010

Luandino Vieira - Um Livro Por Dia


Os rios de Luandino

Fixem um dos mais belos arranques de um romance em língua portuguesa: “Conheci rios. Primevos, primitivos rios, entes passados do mundo, lodosas torrentes de desumano sangue nas veias dos homens. Minha alma escorre funda como a água desses rios.” Será assim, ao longo de 140 páginas, a força de uma narração que escorre, também ela funda, através do grande rio angolano Kwanza. O romance chama-se De Rios Velhos e Guerrilheiros, é o primeiro da trilogia O Livro dos Rios e marca o regresso de Luandino Vieira, após décadas de silêncio.
Em 1992, numa entrevista ao Diário de Notícias, Luandino afirmou: “Os meus livros são o meu real (…) Escrever é reorganizar o caos.” Em recentes declarações em Luanda, o escritor explicou que a sua recusa do Prémio Camões 2006 se deveu a “questões de consciência”: “Acima de tudo sou angolano. Só tenho uma nacionalidade e uma pátria.” Nascido José Vieira da Graça no ano de 1965, em Vila Nova de Ourém, Luandino foi aos três anos para Angola com os pais. Desde muito cedo ligado ao Movimento de Libertação de Angola (MPLA), produziu oito dos seus livros na prisão, onde esteve cerca de onze anos, até 1972. Fundador da União de Escritores Angolanos, autor de Luuanda - cuja apreensão, na década de setenta, marcou a luta pela liberdade de expressão em Portugal - Luandino é um dos principais precursores da literatura angolana.
Por tudo isto, anote-se, De Rios Velhos e Guerrilheiros é um romance angolano. Um tributo à história passada e recente de uma nação, narrado por um guerrilheiro, Kene Vua (Sem-Azar), “eu, negro (…) acocorado na memória”. Um marco histórico e ainda revolucionário. Porque, no vigoroso domínio da língua, na sua reinvenção e na integração do dialecto quimbundo, Luandino cria uma voz que evoca feridas ainda por fechar. Feridas humanas e identitárias, mais do que políticas.
Kene Vua, o guerrilheiro, filho do sábio iletrado Kimôngua Paka que andou na escola com Agostinho Neto, é também Kapapa, aquele que escuta os “ecos esfarrapados” da voz do avô desalforriado Kinhoka Nzaji. Procurou a sua vida, “esse caminho de mil pambos cruzilhados que aquele branco sempre queria pôr na desordem das suas lei e ordem”. Conheceu e correu rios. Em fuga, numa ilha do Kwanza, “na guerra civil da [sua] vida” tem um sonho que corta o tempo e percorre “o caminho do homem na morte”.  Tudo o resto, neste livro, é pura poesia.

De Rios Velhos e Guerrilheiros, Luandino Vieira, Editorial Caminho, 150 págs.

SOL/09-12-2006
© Filipa Melo (interdita reprodução integral sem autorização prévia)