A beleza dos monstros
«Aquele que viaja pelo mundo à procura de grandes e assombrosas maravilhas», que entre aqui, no sagrado bosque de monstros de Bomarzo, onde se mostram «horrendas faces, elefantes, leões, ursos e dragões». A incitação lê-se ainda hoje numa das rochas do labirinto de esculturas que Vicino, Pier Francesco, o duque corcunda da «divina raça» dos Orsini, construiu na segunda metade do século XVI, junto ao castelo da família, em Bomarzo, no centro de Itália. Que aquele que venha saiba que entra num maneirista «mundo de imagens e de incógnitas». Onde o feio e a deformidade, o pecado e o mal fazem resplandecer a beleza e são sombras enigmáticas de um renascimento. Ali, no bosque real, ou na biografia de Pier Francesco na qual o escritor argentino Manuel Mujica Lainez (1910-1984) centrou o romance maior «Bomarzo», a força do tempo é misteriosa.
«Bomarzo» foi lançado na Argentina em 1962, como «Rayuela: O Jogo do Mundo» (Cavalo de Ferro). Ofuscado pela inovação formal da obra-prima de Julio Cortázar, o valor do romance de Lainez tardou em ser compreendido. Em Portugal, o seu lançamento recente pela Sextante foi precedido pela publicação, em 1990, de «O Unicórnio» (Cotovia), primeiro volume da trilogia de romances históricos de Lainez a que pertence (o terceiro é «El Laberinto»).
Graças à tradução do poeta Pedro Tamen, (re)conhece-se agora que, neste «romance de rochedos», à imagem do parque que o duque corcunda criou para fixar a sua própria vida, a poesia é «algo que brotava de dentro, que se gerava no coração da rocha e se alimentava do trabalho secular das essências escondidas».
Em onze densos capítulos e numa filigrana a admirar com lentidão e zelo, o texto de Lainez encena essa espécie de inferno do belo que também compõe a força activa da estética renascentista. O fascínio do poder e da erudição, que tanto mascaram a corcova e o caminho tortuoso de Pier Francesco como guiam o autor na exploração de factos e ambientes históricos através do narrador-protagonista, não são suficientes para salvar a personagem, e o romance, da ditadura da simetria e da proporção. Será antes por encomendadas invocações aos demónios que o duque se colocará no centro do mundo, por ocultas chaves alquímicas capaz mesmo da imortalidade. Pela riqueza da sua arcana alegoria, vive também o romance de Lainez.
Bomarzo, Manuel Mujica Lainez, Sextante Editora, 632 págs.