No labirinto da Europa
Andrés Neuman é o novo ai-Jesus das letras latino-americanas.
Para anunciar a presença da Argentina como país-convidado desta edição da Feira do Livro de Frankfurt, a decorrer até ao dia 10, o jornal El País (edição de 25/09) fez a escolha mais acertada. A expressão Qué bárbaro! titula um diálogo imaginado pelo escritor argentino de 33 anos Andrés Neuman, entre Borges e um fictício autor norte-americano. Depois da «bolanomania», instala-se a «neumanmania». O próprio Bolaño disse de Neuman: «Tocado pelo génio. A literatura do século XXI estará nas mãos [dele] e de muito poucos dos seus irmãos de sangue.» O quarto romance do autor, O Viajante do Século, recém-editado em Portugal, valeu-lhe, em 2009, o Prémio Alfaguara de Romance e o Prémio da Crítica Espanhola. É um complexo colosso, com a densidade descritiva, linguística e reflexiva de uma obra-prima do século XIX e o alcance veloz de um romance futurista. A unir tudo, exibe uma rara expressão poética e uma erudição enciclopédica.
Neuman, filho de músicos exilados, cresceu na Argentina até aos 14 anos, quando a família se mudou para Granada. Hoje, possui nacionalidade argentina e espanhola. Como ele, O Viajante do Século tem um pé na história da Europa e outro na radical capacidade efabulatória da América Latina. Monumental e cheio de personagens ricas, o enredo acompanha a história de amor de Hans, tradutor e viajante errático («parecido com um detective»), com a progressista e impetuosa Sophie Gottlieb, comprometida com um oligarca. Está-se algures entre a Saxónia e a Prússia, na fictícia «cidade móvel» de Wanderburgo, cujas ruas mudam de lugar e prendem os visitantes. Durante um ano e plena restauração pós-napoleónica, Hans frequenta o salão literário, filosófico e político de Sophie (de onde sairá um misterioso assassino mascarado!). Juntos, propõem-se traduzir o melhor da poesia europeia (símbolo de uma idealizada união europeia), enquanto vivem uma intensa relação sexual.
Utopia romântica e realidade crua são dois pesos meticulosamente geridos na balança narrativa de Neuman. Inspirado no último Lied da Viagem de Inverno de Schubert, o escritor fez Hans acompanhar-se também de um velho mendigo, tocador de realejo. Na cidade invisível de Wanderburgo, será ele a transmitir-lhe a ronda de sonhos que permite uma viagem através dos séculos.
O Viajante do Século, Andrés Neuman, Editora Objectiva, 523 págs.
SOL/ 08-10-2010
© Filipa Melo (interdita reprodução integral sem autorização prévia)