Pó enamorado: E as Montanhas Ecoaram, Khaled Hosseini

Khaled Hosseini retratou o amor filial   e o Afeganistão  e arrasou as tabelas. Outono de 1952, Afeganistão. Na aldeia isolada de Shadbagh, ...

segunda-feira, outubro 04, 2010

Wolf Wall - Um Livro Por Dia


Ele, Cromwell, o lobo

Wolf Hall, da britânica Hilary Mantel, é a imaginação a superar a História, um romance histórico de tirar o fôlego. No fim das suas monumentais 658 páginas, compreende-se que tenha ganho o Booker 2009, ainda que com apenas três dos votos dos cinco jurados. A ambição era desmedida: inovar na abordagem ao reinado de Henrique VIII, um dos mais explorados por historiadores e ficcionistas (Shakespeare à cabeça). Mantel consegue-o, tomando por protagonistas a personagem secundária do advogado Thomas Cromwell e a sua ascensão, entre 1527 e 1535, de filho de ferreiro a conselheiro do rei e chanceler do Tesouro. Fiel apenas à força desta escolha, elege os olhos de Cromwell como filtro do narrador sobre todas as cenas. Henrique VIII, o cardeal Wolsey, Catarina de Aragão, Thomas More, Ana Bolena, tantos outros, desfilam perante ele. A História rende-se-lhe a cada parágrafo, tal como à escolha da autora pelo presente do indicativo, a linguagem contemporânea e grande abundância de diálogos. Conhecemos o guião de base, mas a acção sucede-se, imprevista, submissa às manobras de bastidores deste homem que apenas serve a si mesmo.
«Por trás de cada história, há uma outra história.» Para a de Cromwell, Mantel inventa uma infância vítima de maus tratos, a fuga de casa do pai, um assassinato na juventude, cicatrizes. Thomas Cromwell, «também Tomos, Tommaso e Thomaes», até Monsieur Cremuel na corte francesa, será vários Tomases, um «ele» que nos confunde até nos habituarmos à sua maleabilidade de serpente e à elasticidade da prosa de Mantel. Ele, que desconhece o ano em que nasceu (facto histórico), compõe o rosto ao espelho todas as manhãs, aplicando o conselho de Erasmus: «Ponde uma máscara, como se fosse.» Diz-se que é um homem mau, mas Wolf Hall dá-lhe uma nova carne: a de um racionalista, implacável com os inimigos e a corrupção nos mosteiros, mas capaz de caridade e humor, terno com a família, fidelíssimo ao cardeal Wolsey (o primeiro senhor, quase um pai) até quando cai em desgraça. O romance pára com Cromwell no auge, a Inglaterra separada de Roma, More executado, Bolena em declínio. Antes mesmo de a atenção do rei ser desviada para Wolf Hall, onde vive a futura esposa, Jane Seymour. O título do livro será afinal o arranque para a sequela, já anunciada por Mantel como The Mirror and the Light, mas ainda reduzida a um grande caixote de apontamentos.

Wolf HallHilary Mantel, Civilização, 658 págs.

SOL/16-04-2010
© Filipa Melo (interdita reprodução integral sem autorização prévia)