Orgulho e preconceitos
Chega às livrarias portuguesas com 21 anos de atraso. A Biblioteca da Piscina, romance-estreia de Alan Hollinghurst em 1988, contém as marcas fundamentais do autor, presentes sem surpresas nos seguintes The Folding Star, The Spell ou A Linha da Beleza (Man Booker 2004, adaptado para a televisão pela BBC). Prosa veloz, atenção aos detalhes de caracterização social, ligações entre passado e presente e metaliterárias (aqui, a chave do enredo está nas alusões ao romancista inglês proto-camp Ronald Firbank, 1886-1926), a homossexualidade imperando como perspectiva e tema.
Para muitos, incluindo o americano Edmund White (que largamente o supera em qualidade literária), Hollinghurst será o representante gay entre os melhores autores britânicos dos anos 80 (Martin Amis, Julian Barnes ou Kazuo Ishiguro). No entanto, como na maior parte da literatura dita gay, os seus romances alimentam-se sobretudo do tema e da respectiva revelação como algo relativamente secreto, o que cativa leitores heterossexuais voyeurs ou leitores homossexuais em busca de identificação e afirmação social. O problema é que esta matriz temática encobre quase sempre um resultado literariamente pobre (excepção absoluta feita, por exemplo, para o inglês Adam Mars-Jones, ainda não traduzido por cá). Hollinghurst salva-se graças à prosa apurada e a um truque de dupla revelação: a do mundo gay, mas contextualizado no universo exclusivista e reservado das classes altas britânicas.
Em A Biblioteca da Piscina, cuja acção decorre em 1983, o narrador é William Beckwith, 25 anos, neto e herdeiro de um visconde e estadista respeitado (revelar-se-á «uma espécie de burocrata sádico»). Ocioso, egocêntrico, Will vive para a procura do prazer e, como em todos os protagonistas de Hollinghurst, a sua lúdica caça de parceiros é muito fantasiosa, dominada por ideais de beleza física, posse e contemplação. Disso se alimentam os muitos episódios tórridos descritos com minúcia no «franc-parler» de Will, que se supõe sempre adorado pelos amantes, quer eles sejam esculturais operários negros, jovens anónimos ou membros do distinto ginásio-piscina masculino Corinthian Club. Em simultâneo, seguimos a relação de Will com o octogenário Charles Nantwich, um lorde que ele socorre num urinol público e de quem, depois, se propõe escrever uma biografia (as notas diarísticas de Charles comporão uma linha narrativa paralela). Reduzida ao osso, a leitura resulta frustrante, mas não deixa de ser curiosa a imersão temporária no reino britânico da atmosfera homoerótica.
A Biblioteca da Piscina, Alan Hollinghurst, Asa, 457 págs.
LER/Janeiro 2010
© Filipa Melo (interdita reprodução integral sem autorização prévia)