Pó enamorado: E as Montanhas Ecoaram, Khaled Hosseini

Khaled Hosseini retratou o amor filial   e o Afeganistão  e arrasou as tabelas. Outono de 1952, Afeganistão. Na aldeia isolada de Shadbagh, ...

quinta-feira, setembro 30, 2010

Peter Carey - Um Livro Por Dia



Eis a democracia

Num grande romance, Peter Carey segue Alexis de Tocqueville até à América.

Há livros cuja leitura compensa tanto o crítico que o empurram para as hipérboles. Parrot e Olivier na América, de Peter Carey, recém-editado por cá e um dos seis finalistas para o Man Booker 2010, é uma obra-prima de inteligência, técnica e humor e merece uma degustação gourmet. Leiam-no, por favor, e leiam-no depressa. Mas, sem pressas, saboreiem-no. A editora Gradiva aposta que este romance histórico e de ideias com tom de sátira e comédia pícara dará ao ficcionista australiano o seu terceiro Booker (os outros foram para Oscar and Lucinda, 1988, e True History of the Kelly Gang, 2001), um feito histórico. Peter Carey é já um dos melhores escritores contemporâneos.
Paul Auster chama-lhe «acrobata mental» e Carey exibe, de facto, um enorme domínio da estrutura e tensão narrativas. Todavia, o que torna tão especiais os seus romances é a capacidade de aliar na linguagem e invenção «a robustez do século XVIII, o léxico do século XIX e uma liberalidade moderna» (como defende o crítico James Wood). A mistura atinge o auge nesta recriação muito livre, embora fundamentada, dos passos do pensador Alexis de Tocqueville (1805-1859, autor de Democracia na América) até e durante a sua viagem aos EUA em 1830. Carey oferece ao aristocrata francês (que baptiza como Olivier de Garmont) a companhia de um criado dickensiano, e divide a narração pelos dois. Parrot, orfão de um tipógrafo inglês e explorado por um aventuroso Marquês de Tilbot, artista falhado e seduzido pela apaixonante pintora Mathilde, é a criação mais interessante do livro.
Parrot e Olivier, antagónicos, aceitam a custo viajar até à América e aceitam-se a custo até se unirem numa amizade simbólica, na terra onde «não havia necessidade de aristocracia». Amo e criado são submergidos pela essência da América e da democracia: a conquista das oportunidades para cada homem livre, o centro da narrativa. A textura de cada atmosfera e de cada personagem, da sua biografia, da sua classe social, das suas perspectivas, é trabalhada frase a frase, excitando a curiosidade e a reflexão do leitor. Da Revolução Francesa até «uma sociedade tão entusiasmada com as ilusões sobre si própria que a sua melhor biblioteca tinha o ambiente inebriante de um bar», Parrot e Olivier na América torna o passado palpável e tremendamente actual.

Parrot e Olivier na América, Peter Carey, Gradiva, 488 págs.

SOL/10-09-2010
© Filipa Melo (interdita a reprodução integral sem autorização prévia)