Pó enamorado: E as Montanhas Ecoaram, Khaled Hosseini

Khaled Hosseini retratou o amor filial   e o Afeganistão  e arrasou as tabelas. Outono de 1952, Afeganistão. Na aldeia isolada de Shadbagh, ...

sábado, outubro 15, 2011

J. Rentes de Carvalho | Os contos do mestre




É uma das maiores surpresas literárias recentes, mas um belo caso de antes-de-o-ser-já-o-era. Aos 81 anos de idade e há 55 a residir em Amesterdão (onde ensinou Literatura Portuguesa), José Rentes de Carvalho vê hoje a sua prosa cronística e de ficção redescoberta graças à editora Quetzal. Após La Coca, Ernestina, Tempo Contado, Com os Holandeses e A Amante Holandesa, em Agosto último, chegou o mais recente Os Lindos Braços da Júlia da Farmácia. E bastariam estes trinta contos para garantir um lugar de excelência ao autor nortenho, obrigado muito jovem a abandonar Portugal por razões políticas.
Aclamado na Holanda, Rentes de Carvalho foi sendo editado de modo disperso por cá. O destaque agora dado à sua obra joga, contudo, a seu favor. A leitura anacrónica confere-lhe um inimitável sabor ‘vintage’, que ainda habita a escrita actual, e reabilita um certo tom da arte de contar histórias, criar atmosferas e atender a grande diversidade de tipos e marcas lexicais que foi apanágio, por exemplo, de José Cardoso Pires ou Dinis Machado, ou, ainda, de Reinaldo Ferreira (rocambolesca Lisboa dos anos 20 em Memórias de Um Chauffer de Táxi, Livros do Brasil, 2007). Quando se convoca o sobrenatural ou o macabro, a filiação está no contista oitocentista Álvaro do Carvalhal (Assírio & Alvim). Ao fundo, sorri ainda a ironia jocosa de Eça, referido como «o maior dos nossos romancistas», «um deus».
Fundindo-se fantasia e realidade, em «linhas trançadas», viajamos desde os anos 40 por paragens conhecidas do autor, Lisboa e o Norte, Paris, Amesterdão ou o Brasil, Lisboa e o Norte de novo. A fluidez e exatidão, «um luxo de pormenor» e uma segurança despretensiosa respondem à melhor economia de cada conto, suspenso entre a apresentação distanciada e o desfecho inusitado. O «eu» que conta, conta o que viu ou, como em Dostoiévski, conta-se aquilo que se ouviu contar, sempre autêntico e singular, excitando a curiosidade e aproximando o leitor. As temáticas mais diversas, rurais ou citadinas, submetem-se às personagens. E que personagens! Suicidadas, desmaiadas, enfeitiçadas, despudoradas, burladas, despedidas por ursos, atraiçoadas, desembestadas, vítimas de pontadas, todas com uma pronúncia única: a de J. Rentes de Carvalho.

Os Lindos Braços da Júlia da Farmácia, J. Rentes de Carvalho, Quetzal, 359 págs.

SOL/ 30-09-2011
© Filipa Melo (interdita reprodução integral sem autorização prévia)