Pó enamorado: E as Montanhas Ecoaram, Khaled Hosseini

Khaled Hosseini retratou o amor filial   e o Afeganistão  e arrasou as tabelas. Outono de 1952, Afeganistão. Na aldeia isolada de Shadbagh, ...

segunda-feira, outubro 17, 2011

Marie Darrieusecq | O corpo do gelo





A 15 quilómetros do Pólo Sul, em 2015. Uma pequena equipa desenvolve durante seis meses o Projecto White, o da construção de uma base europeia permanente no coração da Antárctida. Descreve Marie Darrieussecq, a autora: «Em qualquer outra parte, a substância do mundo é imprecisa; aqui, tudo é definido.» Para os engenheiros Edmée, francesa, e Peter, criado na Islândia, a história de amor que ali viverão significará a sobrevivência perante o exterior, também perante as memórias e a ideia de um lugar que seja o deles. O Projecto White foi o sexto romance escrito (em 2003) por Darrieussecq, autora francesa famosa pela estreia literária com o best-seller Estranhos Perfumes (1996, editado pela Asa, uma fábula cruel sobre o estado do mundo, concentrada na metamorfose de uma mulher em porca). Aqui, «a Antárctida está para a Geografia como os nossos corpos estão para a História»: como um território vasto e, em simultâneo, preciso e vago.
Em 2006, no romance Breve História dos Mortos, o norte-americano Kevin Brockmeier explorou cenários semelhantes aos deste romance. Num futuro mais ou menos próximo, os pólos geográficos da Terra serão o último reduto de pureza imune a qualquer forma de apocalipse, real ou metafórico. Escrever sobre a luta do homem pela sobrevivência naqueles espaços equivale também a esticar a possibilidade da escrita como efabulação descritiva. No caso de Darrieussecq, o desafio foi captar o vazio enquanto paisagem interna ou externa - o tema central de O Projecto White - num local «a que os humanos atribuíram, de visu, poucas palavras».
Povoada por fantasmas, imaginativa, mas concisa, a trama estende-se com surpreendente vagar ao longo de curtas 126 páginas. No final do primeiro capítulo, somos chamados a observar a passagem do tempo como uma medida do peso e da leveza. «Fundimo-nos no branco, se é que alguma coisa se parece com uma fusão no vazio, se nele ou em nós há alguma coisa a alimentar, a saciar. (...) O tempo enrola-se. O espaço perde-se.»
Somos «nós, os fantasmas» quem assiste aos sonhos de Edmée e Peter («pulando de fio em fio, as aranhas dançarinas dos seus pensamentos»). A prosa ágil e directa, ainda que muito evocativa e adjectivada, de Darrieussecq compensa fragilidades técnicas do enredo e, como em Brockmeier, a tendência para uma certa perspectiva moralista.

O Projecto White, Marie Darrieussecq, Edições Asa, 126 págs.

SOL/ 22-11-2008
© Filipa Melo (interdita reprodução integral sem autorização prévia)