Minimizar toda a acção, parar o tempo e fixar o ponto ómega, o momento final em que, tal como o predisse Teillard de Chardin, todas as consciências se fundirão numa só, no seu mais elevado nível de aperfeiçoamento. Podia ser o mote do décimo quinto romance de Don DeLillo (n. 1936), Ponto Ómega, editado em 2010 e que valeu ao autor o Prémio PEN/Saul Bellow de carreira. Mas a ficção de DeLillo não se compraz com motes, juízos, fórmulas ou conclusões. Este é mais um exemplo da profundidade críptica e estimulante de um dos mais complexos romancistas de ideias da actualidade. Em foco, como sempre, o sonho americano em negativo.
DeLillo ocupa-se desta vez da guerra no Iraque e da especulação neo-conservadora que espaldou a governação Bush. Durante dois anos, o intelectual Richard Elster serviu essa função no Pentágono, conceptualizando uma «guerra em haiku», essência das essências. Agora, aos 73 anos, em retiro no deserto do Arizona, dedica-se a meditar nos «momentos submicroscópicos», no «tempo cego», na dependência americana de violência e capitulação, na morte e no sentido da vida. Ao seu lado, o jovem realizador Jim Finley (narrador) sonha documentar a existência deste homem num único plano-sequência, glosando a concentração total atingida numa instalação-vídeo: a projecção do filme Psycho, de Hitchcock, distendida até durar um dia inteiro. Pelo meio, surge a filha de Elster, para desaparecer misteirosamente no auge da atracção entre ela e Jim. Distensão e suspensão marcam os compassos da narrativa, uma espécie de sinfonia dodecafónica de especulações filosóficas, virtuosas descrições e composições de densa tensão psicológica.
Talvez seja curioso ler em simultâneo as pouco mais de cem páginas de Ponto Ómega e as quase oitocentas do recém-editado Submundo, romance datado de 1997, um portento de justaposição de histórias, com fundo de basebol, energia nuclear e Guerra Fria. Pelo caminho, DeLillo não mudou nada na ambição desmedida de detonar as conspirações paranóicas nos subterrâneos do mundo. De volta a um encontro decisivo no deserto, reduziu-o entretanto ao núcleo do átomo narrativo e da enorme energia visual e cerebral da sua escrita. Aqui, o ponto ómega é um ambiente exterior e interior onde «cada momento perdido é a vida».
Ponto Ómega, Don DeLillo, Sextante, 128 págs.
SOL/ 25-03-2011
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