Pó enamorado: E as Montanhas Ecoaram, Khaled Hosseini

Khaled Hosseini retratou o amor filial   e o Afeganistão  e arrasou as tabelas. Outono de 1952, Afeganistão. Na aldeia isolada de Shadbagh, ...

sexta-feira, maio 27, 2011

J. G. Farrell | Glória e ruínas



Aberto sobre o mar, na costa sudeste irlandesa, o imponente Hotel Majestic há muito que perdeu a sua glória. Em 1919, quando o major inglês Brendan Archer ali chega, não passa de um «imenso edifício errante», pelo qual navegam personagens excêntricas, entre quartos desertos, tédio, pó e «uma vasta e narcótica inércia campestre». Rapidamente engolido pela atraente estranheza do lugar e dos hábitos dos seus habitantes, Brendan não consegue decidir-se a regressar a Londres. Nem mesmo quando já é absurdo, ou impossível, o compromisso de noivado com a filha do proprietário, Angela Spencer, assumido antes de partir para a Primeira Guerra. Hotel Majestic, escrito pelo anglo-irlandês James Gordon Farrell (1935-1979), parte de um microcosmos decadente para reproduzir a queda do Império Britânico, com epicentro nas sublevações independentistas irlandesas de 1919-1921.
J.G. Farrell é um dos únicos três autores (com Peter Carey e J.M. Coetzee) que conquistaram duas vezes o prémio britânico Booker. Particularidade ainda maior: Hotel Majestic, publicado em 1970, só foi premiado em 2010, com o Lost Man Booker Prize, destinado a suprir injustiças motivadas por uma alteração do regulamento ocorrida quarenta anos antes. Em vida, Farrell (que morreu num acidente no mar, aos 44 anos) recebera o Booker pelo segundo volume da sua Trilogia do Império, intitulado The Siege of Krishnapur (a publicar também pela Porto Editora em 2012). Hotel Majestic, o primeiro volume, cativa pela gestão exímia da ironia inteligente, elegante e melancólica com que o romancista vinca pormenores de observação e tece enfim uma ampla análise histórica.
Como na complexa geografia progressivamente desabitada do hotel dos anglo-irlandeses Spencer, a Irlanda deste romance é um puzzle que se desmembra e desliga de qualquer pretensão majestática. Agora, cada um «tem de escolher a sua tribo» e o olhar sóbrio e aparentemente desligado do Major Brendan, bem como a sua insólita adopção daquele país, ajuda-nos a compreendê-lo. O estilo brilhante de Farrell coloca-o ao lado de Jane Austen na atenção ao mundo afectivo de cada personagem e ao jogo social que a impele para a disfunção. Cada página de Hotel Majestic é uma deliciosa filigrana narrativa; na verdade, intemporal. 

Hotel Majestic, J. G. Farrell, Porto Editora, 416 págs.

SOL/ 11-02-2011
© Filipa Melo (interdita reprodução integral sem autorização prévia)