Pó enamorado: E as Montanhas Ecoaram, Khaled Hosseini

Khaled Hosseini retratou o amor filial   e o Afeganistão  e arrasou as tabelas. Outono de 1952, Afeganistão. Na aldeia isolada de Shadbagh, ...

sábado, junho 25, 2011

Cleópatra | rainha sem rosto

Ceópatra, Michelangelo

Logo no início, Stacy Schiff esclarece que, até hoje, nenhum retrato em pedra de Cleópatra VII se revelou fidedigno. Daí que, insiste, permaneça acertado o remoque do escritor francês André Malraux: «Nefertiti é um rosto sem rainha; Cleópatra é uma rainha sem rosto.» Mais do que desvendar os traços exactos da face, foi a vontade de dar consistência à vida e aos actos desta figura lendária o que moveu a biógrafa norte-americana (vencedora de um prémio Pulitzer por Véra, sobre a mulher de Vladimir Nabokov; autora de Saint-Exupéry; A Biography e do estudo A Great Improvisation: Franklin, France, and the Birth of America). Cleópatra, biografia datada de 2010, é mais convincente do que qualquer outro ensaio histórico sobre a última rainha do Egipto e tão cativante como qualquer abordagem ficcional. Vingando-se dos mitos, Cleópatra ressurge com toda a carne e osso da sua grandiosidade, um misto de «suprema confiança» e de «superlativos poderes de persuasão».
A riqueza substancial do que lemos deriva de um cruzamento crítico muito inteligente entre escassíssimas informações biográficas seguras, múltiplos dados históricos sobre a época e os contemporâneos e desconcertantes elementos de efabulação mítica. Só assim se torna credível que, ainda que quase sem fontes primárias, Schiff recrie a «educação esmerada» da jovem Cleópatra a partir do contexto detalhado e vivo da Alexandria do seu tempo (século I a.C.), devotada ao saber literário, à memorização e ao culto da destreza verbal, cruzando-o com referências historiográficas (Plutarco assegurou que a rainha dominava nove línguas) e a lenda sexual da mulher que, aos 21 anos, seduziu Júlio César (com o dobro da idade). Cozinhando todas as referências, subtrai-se da famosa sensualidade de Cleópatra o que se acentua da sua inteligência, verve e cultura. Talvez só uma mulher conseguisse este ajuste de contas histórico com outra mulher, uma figura tão «monstro» quanto «maravilha», cuja excepcionalidade e poder ainda hoje intimidam. Nestas páginas onde sobressai também a vivacidade do olhar da biógrafa, Cleópatra é uma mulher «senhora de si» e, finalmente, senhora de uma verdade histórica abafada por «dois mil anos de críticas desfavoráveis e prosa inflamada, de cinema e ópera».

Cleópatra, Stacy Schiff, Civilização, 400 págs.


SOL/ 09-06-2011
© Filipa Melo (interdita reprodução integral sem autorização prévia)