Em 2010, valeu-lhe a capa da revista Time, com a legenda «o grande romancista americano», uma enxurrada de críticas vibrantemente entusiastas e um fenomenal sucesso de vendas. Liberdade, o mais recente romance do norte-americano Jonathan Franzen (n. 1959, com quatro romances, um livro de memórias e outro de ensaios publicados) chega a Portugal com a etiqueta livro-que-explica-a-América-actual-e-a-ler-com-urgência. Mas será que se iguala ao talentoso terceiro romance do autor, publicado há dez anos, Correcções (Dom Quixote; três milhões de cópias vendidas em todo o mundo), uma ambiciosa sátira à família norte-americana? A resposta europeia pode ser: «Não.»
Liberdade é um romance de grande fôlego genericamente sobre desejo (e a incapacidade) de sermos boas pessoas. São mais de 600 páginas para acompanhar o início da idade adulta, o casamento e respectivo colapso de Walter e Pattty Berglund, a sua relação com os filhos (a voluntariosa Jessica e o desordenado e muito republicano Joey) e com o músico Richard Katz, o melhor amigo (e amante). A ambição de, em homenagem ao grande romance oitocentista, reabilitar a arte dos minuciosos enredos expansivos cumpre-se com um elemento adicional de actualidade. A atenção à premência da preservação ecológica do planeta (abordada muito na linha de Solar, de Ian McEwan) é representada por Walter, tanto no desenvolvimento do seu projecto profissional de defesa das aves (que se torna «uma história feia») como na sua obsessão com o aumento populacional ou na sua fanática e disparatada campanha para que os vizinhos mantenham os gatos em casa.
O motor para a implosão familiar dos Berglund ocorre nas primeiras trinta páginas e pouco tempo após o 11 de Setembro de 2001, quando Joey sai de casa para ir morar com Connie, a filha da vizinha do lado. É o golpe fatal na competitividade de Patty, a dona-de-casa-e-vizinha histericamente conscienciosa, ex-jogadora de basquetebol. Segue-se uma autobiografia de quase 200 páginas escrita por Patty a conselho do terapeuta (intitulada «Foram Cometidos Erros»), um salto até «2004», a segunda e mais longa parte do romance (na qual ressurge Richard e surge Lalitha, a idealista assistente, e amante, de Walter), uma carta de Patty ao leitor e, por fim, uma espécie de epílogo em 26 páginas, «Lago da Urbanização de Canterbridge».
Como exaltou a decana da crítica Michiko Kakutani, Franzen bem pode «abrir uma janela para o retrato da classe média americana», mas não é comparável, por exemplo, a John Updike (leia-se Casais) ou Philip Roth (leia-se Pastoral Americana) na acessibilidade de leitura, muito menos na universalidade. A prova pode ser feita pelo leitor médio europeu, absurdamente enfastiado com tão detalhada imersão numa realidade social que tão imperialmente se tem firmado nos enredos da literatura contemporânea. América. América. América! Numa longa injecção, cheia de talento satirizante e de incidência descritiva e psicológica, sem dúvida, mas tão egocêntrica que abafa a metáfora maior do romance: os homens ambicionam voar livres como os pássaros. Enquanto a tragicómica saga da família Lambert (Correcções) se lia aos poucos, saboreando a concatenação de retratos e quadros narrativos, em Liberdade pesa como chumbo o que o autor chama de «realismo trágico». Chame-lhe antes 'um certo realismo americano' e estamos conversados.
Liberdade, Jonathan Franzen, Publicações Dom Quixote, 684 págs.
SOL/ 13-05-2011
© Filipa Melo (interdita reprodução integral sem autorização prévia)