Em Diário Volúvel, Enrique Vila-Matas diz que se expõe mais do que nunca. Desenganem-se, senhores, nunca conhecerão este homem, porque ele é literatura (im)pura.
Em 2005, após um internamento hospitalar, Enrique Vila-Matas (n. 1948) descreve «a irrupção de um certo sentido da calma aplicado à vida», o resgate do valor do presente contra «um futuro de crescente velocidade». Num ritmo novo e pausado, mais irónico, o escritor olha «tudo com curiosidade fleumática de diarista volúvel e passeante acidental.» Escrever voltou a significar, como quando era muito novo, «afastar-[s]e, deter-[s]e, demorar-[s]e, retroceder, desfazer, recusar-[s]e precisamente a essa corrida mortal». Estas afirmações são, como a sintaxe do sistema de toda a bibliografia de Vila-Matas (31 títulos desde 1973; os dois últimos recém-saídos em França e Espanha: o ensaio Perdre des Théories e o romance Dublinesca) um híbrido de metaficção, metaliteratura e, neste caso, uma certa realidade autobiográfica.
O livro chama-se Diário Volúvel e saiu em 2008. Vila-Matas assumiu-o como «um guia que permite perceber a arquitectura interna da [sua] obra», onde, «com mais clareza do que nunca» exibe o seu projecto de cristalização literária de vida, leitura e escrita. A base foram as crónicas homónimas publicadas no El País entre 2005 e 2008, acrescentadas de inéditos para comporem um «esqueleto de comentário infinito». Sucedem-se notas pessoais sobre viagens e leituras (generosas as de jovens autores), a invenção literária entretecida em fruições eruditas, auto-desafios de mudança de sentidos da e perante a realidade, vivências diarísticas (a destacar, uma doença, um casamento, o sentimento de perda da sua Barcelona, o contacto e afinidades com outros escritores, entre eles, Gonçalo M. Tavares).
A obra de W. G. Sebald, como tão bem a define o ensaísta João Barrento, «dá a ler». A de Vila-Matas, embora partilhe da mesma doença literária (Robert Walser une-os), é demasiado artificiosa para ser lida como dádiva. Nela, o espectáculo é o do funambulismo do escritor sobre a literatura, executando piruetas de «viagens mentais» e um «certo nomadismo cerebral». Diário Volúvel é, neste sentido, o seu exercício mais egocêntrico. Vila-Matas personagem é tão falso como metade das citações que faz. Mas o seu objectivo é claro e atingido: construir uma «verdade do ponto de vista textual» (entrevista à Folha). No final, dá mesmo vontade de citá-lo, repetindo: «uma verdade quase exclusiva do meu ponto de vista e o texto ao seu serviço».
Enrique Vila-Matas, Diário Volúvel. Tradução: Jorge Fallorca. Teorema. 285 págs.
LER / Abril 2010
© Filipa Melo (interdita reprodução integral sem autorização prévia)