Pó enamorado: E as Montanhas Ecoaram, Khaled Hosseini

Khaled Hosseini retratou o amor filial   e o Afeganistão  e arrasou as tabelas. Outono de 1952, Afeganistão. Na aldeia isolada de Shadbagh, ...

domingo, fevereiro 03, 2013

Javier Marías | Pó enamorado



O espanhol Javier Marías é um dos atuais génios da digressão em prosa.

O amor será constante para lá da morte. Disse-o, no século XVI, o poeta Francisco de Quevedo num belíssimo soneto de amor, assim rematado: «pó se tornarão, mas pó enamorado». Em 2011, Javier Marías, brilhante tradutor, o melhor ficcionista espanhol da atualidade, publica Os Enamoramentos, romance recém-traduzido pelo poeta Pedro Tamen. E aqueles versos de Quevedo, escritos quando o enamoramento era ainda invenção de soneto, podiam ser a epígrafe para esta história que, como todas as de Marías, trata de um engano e de uma revelação. Desde Dumas e Balzac, ou com o romance moderno, o enamoramento funde desejo e morte, dor e esquecimento, justiça e impunidade. Superando o amor, ele é o estado mais incondicional e, por isso, o mais irracional e poderoso. Javier Marías demonstra-o nesta obra que lhe deu o Prémio Literário Europeu e o Prémio Nacional de Narrativa  — atribuído pelo Ministério da Educação, Cultura e Desporto espanhol e rejeitado pelo escritor, que insiste em «recusar qualquer remuneração que proceda do erário público».
Maria Dolz trabalha numa editora madrilena e chega atrasada todas as manhãs porque se distrai a observar à distância um «casal perfeito» que se senta no mesmo café. Após a morte do empresário Miguel Desverne, apunhalado por um arrumador de carros, Maria aproxima-se da sua mulher, Luísa, e conhece Javier Díaz-Varela, o melhor amigo do falecido, por quem se apaixona. O resto da história? É menos inspirado do que o habitual, mas isso pouco importa quando em Marías, sempre, os restos da ação são o miolo do livro, iluminado por uma brilhante gestão da irregularidade, da quebra da frase (o chamado anacoluto), esparramando-se em períodos amplos e envolventes, distensões, remoinhos e contrações, digressões tão alongadas quanto certeiras. Maria é a narradora que sustenta este caudal e, através dela, Marías mostra mais uma vez que conhece a verdadeira respiração, o coração da prosa, tão bem como o coração dos homens.
PS: A fotografia da capa, também aqui reproduzida, é de Elliott Erwitt.

Os Enamoramentos, Javier Marías, Alfaguara, 375 págs., 19.90 euros.

SOL/11-01-2013
© Filipa Melo (interdita reprodução integral sem autorização prévia)