Pó enamorado: E as Montanhas Ecoaram, Khaled Hosseini

Khaled Hosseini retratou o amor filial   e o Afeganistão  e arrasou as tabelas. Outono de 1952, Afeganistão. Na aldeia isolada de Shadbagh, ...

terça-feira, dezembro 20, 2011

Enrique Vila-Matas | Requiem em Dublin


Na cidade de Ulysses, Vila-Matas enterra a era de imprensa e os grandes editores.
Desde que se reformou e deixou de beber, Samuel Riba está cada vez mais fechado sobre si mesmo. Agora, ele, que é um editor barcelonês da velha guarda, culto e obstinado na paixão livresca, compara o seu auto-isolamento ao dos 'hikikomori', jovens japoneses «autistas informáticos» que trocam o mundo por uma clausura total à frente do computador ou da televisão. Entretanto, num sonho premonitório, Riba recria Dublin, onde nunca esteve, como cenário de fuga e sentido para a sua «vida de catálogo», «tradicional, clássica, edipiana e conservadora». Será em Dublin e de dentro do Ulysses de James Joyce, mas também em Nova Iorque ou nos livros de Paul Auster, realidades oníricas tão reais que se convertem em personagens, que o editor de 60 anos fará as honras ao iminente funeral da era de Gutenberg e ao «funeral, sempre demorado, da literatura como arte em perigo». Samuel Ribas, Dublin, Ulysses, Joyce e a literatura protagonizam o mais recente romance do espanhol Enrique Vila-Matas, Dublinesca, nas livrarias pela Teorema (curiosamente, esta edição serve de justíssima homenagem a Carlos Veiga Ferreira, o histórico editor da Teorema, recentemente afastado da chancela como consequência da sua integração no grupo editorial Leya).
Dublinesca não é um romance fácil, mas também o não é toda a grande literatura, à qual Vila-Matas dá valoroso contributo e presta homenagem. Como sempre, a intertextualidade (diálogo entre textos) e a metaficção são as maiores marcas de estilo do autor, pleno de complexos cruzamentos. A ambição narcisa de Vila-Matas é mais uma vez servida pela associação à grande literatura. Todavia, desta vez, os fantasmas que perseguem Riba, o seu «zunzum do mal do autor» frustrado, os tiques de quase demente defesa de uma cediça visão da literatura, o desencantamento perante o amor, os meios literários e os escritores («uns porcos»), humanizam o autor, tão presente nos seus livros.
A 16 de Junho, no Bloomsday, Ribas-como-Bloom (protagonista de Ulysses), despedir-se-á de um morto e comemorará os aniversários da grande literatura e do casamento dos pais (ou seja, a sua própria existência). Dublinesca, inteligentíssima paródia trágica, é um testamento sobre todos os que leem a vida literariamente.

Dublinesca, Enrique Vila-Matas, Teorema, 264 págs.

SOL/ 18-03-2011
© Filipa Melo (interdita reprodução integral sem autorização prévia)