Pó enamorado: E as Montanhas Ecoaram, Khaled Hosseini

Khaled Hosseini retratou o amor filial   e o Afeganistão  e arrasou as tabelas. Outono de 1952, Afeganistão. Na aldeia isolada de Shadbagh, ...

quarta-feira, fevereiro 23, 2011

João Lobo Antunes | Ensaio do Desassossego



«Uma sensação desconfortável, um irreprimível desassossego da inteligência e da sensibilidade». É assim que João Lobo Antunes, Prémio Pessoa em 1996, define a motivação inicial, por exemplo, para uma reflexão sobre a verdade como «valor transcendente» e como «esqueleto» das «relações entre as pessoas, destas com as instituições e [d]as relações das instituições entre si». De facto, a inquietude, temperada pela obediência a uma qualquer verdade interna (escreve: «pertenço desde pequenino à irmandade dos malditos que não conseguem fugir ao comando do dever») parecem estar na base do interesse do neurocirurgião por todos os temas abordados na sua mais recente, e quinta, compilação de ensaios e artigos, antes dispersos por publicações diversas. «O Eco Silencioso» apresenta mais uma vez um médico cuja humanidade, cultura e actividade crítica e interventiva transcendem em muito a prática clínica e o colocam na posição de um intelectual raro (vejam-se as quatro críticas literárias incluídas e o comentário ao Evangelho segundo São Lucas).
Sem um tema unificador, os textos agora reunidos, em versões modificadas dos originais, foram escritos nos últimos três anos. O mais biográfico será «O Eco Silencioso», onde o autor discorre sobre como «se fez médico». Mas, em todos está patente um brilhante percurso profissional, sempre acompanhado pelo estímulo da erudição e do contacto, pessoal ou pela literatura, com pares ou mestres (presentes em citação, homenagem crítica ou elogio, Egas Moniz ou Fernando Pádua, Fernando Pessoa, Júlio Pomar ou Tolstoi).
Na ciência, como na poesia, João Lobo Antunes salienta que (segundo palavras da poetisa Wislawa Szimborska) «nada é jamais banal ou normal» e é essa a riqueza maior das experiências que descreve. Praticando o «exercício quotidiano de uma moral liberta de obsessões tecnológicas e burocráticas», o autor hesita entre a obrigação do triunfo e a escravatura «de um equilíbrio precário de probabilidades». É cauteloso, mas ainda assim polémico, quando fala de eutanásia («não me parece (…) que a integridade da profissão seja ameaçada pela adopção temperada e regulamentada d[a] práctica»), da relação médico-doente ou dos limites éticos da ciência. Apenas uma deficiente revisão do texto não faz jus neste volume à criatividade e ao estilo elegante de um ensaísta de excepção.

O Eco Silencioso, João Lobo Antunes, Gradiva, 262 págs.

SOL/ 06-12-2008
© Filipa Melo (interdita reprodução integral sem autorização prévia)