Pó enamorado: E as Montanhas Ecoaram, Khaled Hosseini

Khaled Hosseini retratou o amor filial   e o Afeganistão  e arrasou as tabelas. Outono de 1952, Afeganistão. Na aldeia isolada de Shadbagh, ...

terça-feira, setembro 28, 2010

Philip Roth - Um Livro Por Dia


O professor do desejo

Primeiro, a má notícia: Philip Roth está a envelhecer. Tem 73 anos e, há cinco, publicou O Animal Moribundo, esta semana lançado em Portugal. Depois, a boa notícia: mantém o título de melhor escritor de língua inglesa vivo, digno sucessor dos seus mestres William Faulkner e Saul Bellow. As duas notícias têm um impacto específico junto dos leitores portugueses. Das vinte e cinco obras de ficção da bibliografia de Roth, apenas sete estão disponíveis em português. A produção posterior a Teatro de Sabbath (de 1995) tem sido editada pela Dom Quixote; da anterior, iniciada em 1959, apenas se encontram O Complexo de Portnoy (1969) e Traições (1990), pela Bertrand. Pasmado perante o atropelo de discutíveis novidades competindo freneticamente nos escaparates, o leitor tem direito a perguntar: para quando, em Portugal, uma edição coerente e completa da obra dos grandes contemporâneos, colmatando décadas de atraso?
O caso deste curto romance é sintomático. Após uma trilogia sobre a história norte-americana e esgotado o filão narrativo de Nathan Zuckerman, Roth ressuscitou outro alter ego: David Kepesh. Em The Breast (1972), Kepesh metamorfoseara-se numa mama gigante; em The Professor of Desire (1977), iniciara-se na vida intelectual e na libertação das pulsões sexuais. Na obra de Roth, ele representa o corpo físico, escandalosamente sexuado e animal. Não poderia existir melhor interlocutor para o ficcionista exorcizar o choque provocado pela morte de amigos e pela progressão do seu próprio declínio fisiológico (presentes também no último romance, Everyman, já de 2006).
O Animal Moribundo é vintage Roth actualizado por décadas de mestria a tirar o fôlego ao leitor com ímpares capacidades narrativa, reflexiva e imagética. Kepesh tem agora 70 anos e longe vai o tempo em que recorria a um psicanalista para se auto-analisar. A um ouvinte não identificado, relata a recente ligação amoroso-erótica que manteve com uma ex-aluna, a cubana Consuello, 38 anos mais nova do que ele. Percorre as memórias da “improvisada” revolução sexual dos anos 60, “a destruição em bruto do passado inibidor” da América puritana. E, ao descrever a sua biografia sexual e a de um filho que o detesta, uma pergunta mantém-se: “Consigo dominar a disciplina da liberdade em oposição ao desvario da liberdade?”
Inteligente e racional, esta “figura cómica, do género ateu da aldeia” de que Roth seguiu a vida erótica, aproxima-se da morte e insiste em ensinar as gerações seguintes. Para Kepesh/Roth, sexo é caos e selva, predomínio e cedência, um sonho de único “acto totalmente puro e protegido”. Mas, porque “é o sexo [e a morte] que traz a desordem às nossas vidas normalmente ordenadas”, o professor que queria ser livre porta-voz da “virilidade emancipada” faz o exame da sua vida e não consegue afastar as incongruências. Diz: “Envelhecer é inimaginável para todos.” E é Roth quem fala.

O Animal Moribundo, Philip Roth, Publicações Dom Quixote, 136 págs.

SOL/28-10-2006
© Filipa Melo (interdita a reprodução integral sem autorização prévia)